segunda-feira, 19 de junho de 2023

Ideologia Socialista x Ideologia Capitalista

Ao concentrar a nossa atenção no aspecto ideológico, imediatamente a gente se transpõe para a perspectiva trans histórica e projeta o pensamento no futuro, para além do imediato. Pensamos, neste aspecto, necessariamente, num futuro de médio e de longo prazo, onde colocamos nossas melhores e mais generosas projeções para a humanidade. Isto que no idealismo está posto na forma de princípios absolutos ou ideais, religiosos ou filosóficos, e que, para nós, são pontos de chegada, possíveis e desejáveis, no nosso projeto histórico de ser. Este é o plano em que se localizam todas as questões ideológicas, sob qualquer aspecto simbólico, normativo ou representacional, legal, moral ou institucional das relações entre as pessoas, inclusive, obviamente, as relações de poder e força. Mas, antes de avançar num plano teleológico mais longínquo, ainda que ele seja o mais propriamente ideológico, sinto que eu preciso tratar da questão ideológica no nível do presente e do futuro próximo. Ou seja, preciso tratar da oposição entre socialismo e capitalismo no plano ideológico. Isto inclui também a contraposição entre socialismo e fascismo, na medida que o fascismo é uma forma extrema e extremamente perversa do capitalismo liberal, uma forma extrema de imposição do poder dos capitalistas sobre toda a sociedade, que surge e ressurge nos momentos extremos de crise do sistema capitalista mundial. As relações capitalistas, as formas capitalistas de produzir, distribuir e consumir, se conectam e se atravessam, se imbricam, enfim, com todas as outras relações sociais na nossa sociedade. Na mesma medida, todas as questões identitárias, de direitos humanos, de liberdades e de democracia, a questão ecológicas e todas as outras grandes questões sociais do nosso tempo têm relação com a questão histórica entre socialismo e capitalismo e, em geral, terão melhor ou pior encaminhamento e solução em função do processo de superação do capitalismo pelo socialismo. Do ponto de vista ideológico o socialismo é superior ao capitalismo em todos estes aspectos, ainda que isto pareça contra intuitivo num mundo em que os países capitalistas ocidentais, dominantes no sistema mundial atual, aparecem como os mais avançados em termos de respeito à pauta identitária e aos direitos humanos. Pode ser que isto seja verdade, mas, é bem mais verdade que os países capitalistas não se resumem aos dominantes ou ricos. E, muito ao contrário do melhor padrão europeu ou canadense, o que predomina no sistema capitalista mundial não é o respeito aos direitos humanos ou a uma pauta identitária etc. O socialismo é superior ao capitalismo liberal no plano ideológico, sob todos os aspectos mais relevantes, e isto se prova pela história mesmo. A história está seguindo um curso coerente com a superação do capitalismo pelo socialismo, justamente porque o socialismo é melhor do que o capitalismo. Progressivamente isto se mostra mais presente na realidade e mais seguro em sua veracidade. A superioridade ideológica do socialismo se dá desde as dimensões mais básicas ou profundas, na base econômica mesma da sociedade, no cerne do modo de produção e distribuição de bens, simplesmente por que o socialismo propõe a comunhão de esforços e o respeito mútuo onde o capitalismo liberal propõe a competição e a imposição do poder. A ideia motora forte do capitalismo liberal, o verdadeiro cerne desta ideologia, é ideia da liberdade econômica capitalista: a livre propriedade, a liberdade de mercado e a liberdade de acumulação ilimitada. Mas, ainda que estas ideias de liberdade capitalistas possam ter um alto valor ideológico próprio, o que é questionável, elas realmente se tornaram os ideais moventes de todo o já longo curso da história capitalista quando se associaram à ideia de que a riqueza de todos cresce através da livre competição capitalista, através da ‘mão mágica’ do mercado. E cresce mais do que em todos os modos de produção anteriores. Realmente não parece ser razoável questionar se o capitalismo está ou não relacionado a um grande desenvolvimento das forças produtivas da humanidade. Sob este aspecto, no capitalismo, realmente realizamos um grande desenvolvimento humano. E estamos todos, pelo nosso ego mesmo, vinculados ideologicamente r emocionalmente a este processo, Ele corresponde também a desejos pessoais nossos muito profundos, que nos ligam aos nossos descendentes e ao humano em geral. O desenvolvimento da humanidade, o desenvolvimento científico, tecnológico, produtivo, material, nos interessa a todos, ainda que não tenhamos consciência clara disto. Bem antes de Smith e de forma ideologicamente ainda mais poética e emblemática, Mandeville, já tinha identificado que, com a livre competição, os vícios pessoais levariam a maiores benefícios públicos, de tal modo que, assim, “os pobres de amanhã serão mais ricos que os ricos de hoje”. O ângulo destacado pelo autor da Fábula das Abelhas permite identificar virtudes essenciais ou muito desejáveis de um sistema social e que são verdades, ainda que parciais e contraditórias, no sistema capitalista. Isto corresponde diretamente a profundos desejos humanos, arraigados nas dimensões do ego e até mesmo na própria natureza genética do nosso ser biológico. Queremos reproduzir e proteger as gerações futuras. Queremos que nossos filhos e os filhos dos seus filhos desenvolvam as suas capacidades, se realizem, tenham uma vida boa e segura. Isto é intuitivo e natural a todos nós e certamente percebemos como virtude de um sistema social ele ser capaz de produzir isto. Eu entendo que esta é, de fato, uma grande fortaleza do sistema capitalista que, por sua lógica mesma, ainda que de modo muito contraditório, tem produzido este resultado histórico. E enquanto ainda se puder acreditar que neste sistema, melhor do que em qualquer outro, os filhos dos nossos filhos serão mais ricos do que nós, ele ainda terá um forte sentido histórico e um forte apelo ideológico, correspondente. Além disto, obviamente, a proposta ideológica do capitalismo permite, propicia ou promove a livre inciativa individual, o risco e a responsabilidade pessoais e, com isto, libera e intensifica a dinâmica, o movimento, de empreendimentos e trajetórias pessoais no sistema. E isto certamente também tem correspondência com desejos, também profundos, de liberdade pessoal e de justiça em relação aos esforços e às escolhas pessoais. Parece que aí se encontra uma resolução muito virtuosa dos desejos, próprios e inelimináveis do nosso ego, de liberdade e autoafirmação, por um lado, e de justiça, de justa retribuição a cada indivíduo pelo seu valor, pelo outro. A ideologia capitalista parece trazer uma aliança muito forte mesmo entre os nossos maiores desejos e as nossas melhores expectativas. A devida recompensa ao esforço pessoal, que a impessoalidade do mercado parece garantir, resultaria no melhor desenvolvimento da humanidade e no maior benefício de todos. O livre egoísmo de cada um resultaria em ser a melhor base da justiça e o melhor caminho para o bem de todos. Estas são, no entanto, verdades apenas parciais e muito contraditadas pela própria lógica econômica capitalista. As ideias fortes de liberdade e desenvolvimento se ligam realmente à história do capitalismo, mas, ela também está ligada a uma realidade de opressão e de crises, de pobreza e de guerras. É historicamente incontestável que a lógica capitalista leva a crises sistêmicas periódicas de grande intensidade, levando a grandes perdas econômicas e crises sociais extremas E isto se manifesta tão mais intensa e claramente quanto mais plenamente esta lógica se realizar, ou seja, quanto mais liberal a economia for. E também está mais do que óbvio, pela longa história, que o capitalismo liberal não é especialmente justo e que, ainda hoje, nem os mínimos de liberdade, segurança e dignidade pessoais são plenamente garantidos na maior parte sistema capitalista mundial contemporâneo. O capitalismo realiza seus melhores desígnios ideológicos de modo muito parcial e contraditório. No capitalismo, a liberdade e o desenvolvimento, a justiça e o mérito pessoal são frequentemente transformados em opressão e atraso, injustiça, humilhação, crises e violência para massas enormes de pessoas. E, no fim, o sistema todo se corrompe e se atrasa. E tem que ser assim, pois isto está mesmo na própria lógica econômica capitalista. A ideologia liberal propõe o desenvolvimento econômico e a prosperidade sociais, tendo como base a liberdade e a responsabilidade individuais, através da livre competição no mercado, o que garantiria ainda a justiça, na proporcionalidade dos ganhos ao mérito pessoal. Mas isto ocorre na realidade apenas através de muita opressão e exploração, de crises econômicas e conflitos sociais extremos e de guerras. Ao fim, a ideologia liberal reconhece que tudo isto é mesmo inevitável, mas sustenta que, mesmo assim, o caminho e as respostas capitalistas liberais são as únicas possíveis, ou, pelo menos, as melhores possíveis. De fato, a ideia de que a livre competição no mercado capitalista é a melhor forma de garantir o desenvolvimento e a justiça sobrevive enquanto não se assegura que é possível algo melhor. Mas, eu vejo que a história contemporânea tem se encarregado de nos demonstrar esta possibilidade e o seu caminho. Nos últimos 150 anos houve incontestável avanço de conquistas sociais dentro do sistema capitalista, transformando-o, controlando suas distorções e melhorando a qualidade de vida e a dignidade das massas trabalhadoras, mesmo ainda dentro das perversões do sistema capitalista. Neste período histórico é clara a diferença em favor do desenvolvimento e implantação de recursos, práticas e instituições socializantes dentro do sistema capitalista mundial, apesar dos atrasos e das perdas sociais, que ocorrem em momentos de retorno de um maior predomínio do liberalismo no sistema. E, em alguma medida, é apenas por isto que a sociedade realmente se desenvolveu intensamente neste período. É isto mesmo. Foram os instrumentos, a ideologia e a prática socialistas, que se desenvolveram dentro do sistema econômico capitalista contemporâneo, que garantiram o grande desenvolvimento produtivo e social contemporâneo, apesar de todas as terríveis crises que também ocorreram no período. Estas crises são próprias do capitalismo e teriam sido mais frequentes e certamente muito mais intensas se não fossem empregados os recursos socialistas que o sistema capitalista mundial adotou progressivamente nestes últimos 150 anos. Os sistemas públicos de regulação financeira e estratégica da economia e os serviços e institutos públicos de proteção e promoção social foram e continuam sendo fundamentais para tudo de bom que aconteceu no capitalismo contemporâneo, reduzindo a intensidade das crises e permitindo uma vida mais digna, ou menos indigna, para as massas. Creio que estas verdades se manifestam claramente quando fazemos o simples exercício mental de conceber o que seriam estas crises econômicas e suas consequências sociais sem a existência destes recursos socialistas, numa comparação com o capitalismo puramente liberal e com as respostas realmente liberais às crises econômicas e sociais. Na realidade histórica a socialdemocracia e o próprio socialismo se apresentaram como alternativas ao capitalismo liberal. Mas, durante algum tempo pareceu que a socialdemocracia só era realmente possível nos países centrais e dominantes e que o socialismo estava condenado ao fracasso. Estamos, no entanto, em outro momento já. A roda da história já girou um tanto mais e agora já podemos ver o sucesso socialista superar os feitos do capitalismo liberal em todos esses aspectos. A ideologia e a prática socialistas estão superando aquelas capitalistas, como era esperado, como está indicado na ciência da história. A velocidade, a aceleração, a intensidade e a continuidade do crescimento econômico da China comprovam, mais uma vez, que existem alternativas sociais superiores, em geral, economicamente e socialmente, em relação ao modelo liberal de capitalismo. Esta conquista histórica, assim como aquelas da socialdemocracia nos anos 40 a 80 do século passado, indicam que a ideologia socialista realmente está correta, que é possível o controle público da economia com prosperidade social e sem crises sistêmicas extremamente destrutivas. Acredito, portanto, que hoje, mesmo que muitos ainda não consigam ver, já há uma história real e bem concreta de ganhos econômicos e sociais da socialdemocracia e do socialismo no modelo chinês que podem muito bem serem contrastados com a alternativa liberal, seja de períodos anteriores, seja com atual onda liberal no sistema capitalista mundial. Estamos, de fato no fim desta onda liberal atual e, mais uma vez, se comprova o quanto a alternativa liberal é destrutiva e nos leva a ciclos de empobrecimento, crises econômicas e sociais extremas e guerras. A ideologia socialista é superior porque, sob uma maior gestão estratégica pública e com melhor regulação e colaboração tanto internacional quanto no interior das nações, a economia pode realmente ser muito mais racional e efetiva e trazer desenvolvimento e ganhos sociais muito maiores do que o que a economia capitalista liberal consegue produzir, através do conflito dos interesses privados no mercado. E se antes tínhamos apenas a ciência para nos afirmar isto, agora já temos um bom tanto da história ao nosso lado também. O socialismo cresce dentro do sistema capitalista no longo curso da história contemporânea porque sem ele o capitalismo é destrutivo demais e ameça tanto a vida e a dignidade das pessoas quanto o desenvolvimento e a própria existência da humanidade, negando todas as melhores promessas da ideologia econômica liberal. Não é, pois, apenas, nem sobretudo, porque é moralmente superior que o socialismo deve se impor na economia mundial. Ao contrário, é só porque ele é mais efetivo economicamente que ele pode realmente ser superior moralmente. Não fosse assim nunca passaria de idealismo. De fato, a própria possibilidade do desenvolvimento econômico, do desenvolvimento das capacidades produtivas da humanidade, de desenvolvimento do ser humano em geral, é melhor assegurada pelo socialismo ou, certamente, é muito melhor assegurada pelo socialismo do que pelo capitalismo liberal. E, por isso, a conjunção dos valores de desenvolvimento social e de proteção e promoção das gerações futuras, que são tão próprios aos determinantes antropológicos, genéticos e do nosso ego, se mostra muito melhor assegurada no socialismo do que no capitalismo. É claro que isto que eu tratei aqui não responde diretamente a várias questões ideológicas centrais do nosso tempo, relativas à liberdade pessoal e ao controle social, as questões de democracia e autoritarismo, as questões identitárias, a questão ecológica, entre outras questões sociais e históricas cruciais do campo ideológico atual. Mas, como não poderia deixar de ser, todas elas estão bastante ou, até, essencialmente, vinculadas à questão do modo de produção social, e, portanto, à questão da oposição ideológica entre socialismo e capitalismo e serão consideradas no desenvolvimento desta análise, em textos seguintes.

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