segunda-feira, 13 de junho de 2022

SALA DE SITUAÇÃO MAIO/JUNHO 2022 ANÁLISE DA QUESTÃO DA GUERRA HISTÓRIA ATUAL E SEUS PRESSUPOSTOS ANTROPOLÓGICOS

A decisão moral e a postura ética de todas as pessoas e de qualquer pessoa, em particular, considera 03 dimensões, ou âmbitos de sua própria existência e, portanto, do seu interesse, simultaneamente. Eu já escrevi isto algumas vezes. Os interesses pessoais, os interesses de grupo, e os interesses de gênero, da humanidade. São estas três dimensões de toda e qualquer decisão moral e postura ética. Elas se apresentam necessária e simultaneamente, em toda e qualquer escolha e atitude moral ou postura ética. Em níveis de consciência e elaboração os mais diversos, estas três dimensões estão sempre presentes quando você decide e faz o seu destino na vida. Os seus interesses particulares, os interesses dos grupos aos quais você se vincula e os interesses da humanidade, do gênero humano. E as decisões e atitudes serão tanto mais verdadeiras, conscientes e autônomas, quanto mais o indivíduo tiver consciência destas três dimensões em cada decisão e atitude moral sua. E tão mais falsas, iludidas e estereotipadas serão as decisões que ignorarem a realidade destas três dimensões que necessariamente fazem parte do ato moral. Por outro lado, eu também afirmo, com segurança, que as pessoas, as individualidades humanas, são constituídas por três determinantes fundamentais, que nos formam. São: a determinação do gen, a determinação do ego e a determinação do sistema. Estes três determinantes ou constituintes nos formam a todos nós e por sua vez é também contra estas determinações que nós nos afirmamos ao longo da vida. Veja, os gens determinam muito mas não determinam tudo o que somos, obviamente, nem em termos do corpo biológico. E assim também o ego ou a psiqûe e o sistema determinam muito, muito do que somos, mas não tudo. Obviamente estes três constituintes do ser humano se vinculam aos três interesses presentes na decisão moral. Mas não diretamente, nem univocamente. Ao contrário. O que se pode dizer é que a ideia da humanidade está presente em nossas decisões mesmo de forma inconsciente e que realmente decidimos por toda a humanidade quando tomamos decisões morais. Assim nós constituimos o sistema que nos constitui. E este certamente é o grande designio dos nosso egos. A filosofia e a religião do ponto de vista moral, se colocam neste nível. A religião e a filosofia falam em nome da humanidade. Ao menos a partir do cristianismo. Ou todas, se pensamos no maior grupo humano, ao qual cada religião se endereça, eu creio. Digamos que, nestes níveis de elevação racional e espiritual, da filosofia e da religião,, se pretende falar em nome da humanidade Se a filosofia pode criticar a mitologia que sustenta a moral religiosa, ela própria teve, com o tempo a sua mitologia da razão exposta. Essa mitologia, fabulosa ou racional, não é um problema apenas por ser um erro, mas por ser uma falsidade. E, obviamente, uma falsidade moral é uma imoralidade. Isso quer dizer que, de um modo geral, a moral ou a ética filosófica e a moral ou ética religiosa são, em geral, imoralidades. Chegou o tempo em que nós nos assustamos com o fato de que a humanidade, que nós amamos em nós mesmos, não vive nem da religião e nem da filosofia. E nos assustamos ao ver que a ética estabelece como justo ou moral aquilo que a economia realiza no sistema e o desejo realiza no indivíduo. Enfim, é simples perceber que no tempo da colonização e da escravidão a religião e a filosofia eram, com certeza, predominantemente favoráveis. Assim como são favoráveis às imoralidades dos sistemas de hoje. Alguns podem dizer, com toda a razão até, que chegou o tempo de pensar nas coisas como elas realmente são, chegou o tempo da economia. Mas, nada é estático na vida. E vemos agora, com tranquilidade, mesmo dentro do desespero, não apenas o tempo da produção, mas também o tempo da alma, isso quer dizer, obviamente, também que vemos o tempo da vida e o tempo da palavra ou da arte, mais do que o tempo do dinheiro. A luta ideológica que domina o nosso tempo, Marx estava certo, é aquela entre liberalismo e socialismo. E é em relação a ela, fundamentalmente que as forças sociopolíticas se posicionam na contemporaneidade, ainda. E nós não podemos ter ilusões, precisamos reconhecer os fatos e compreender a teoria, ou seja, reconhecer e compreender a história. Essa é a base, científica, de nosso posicionamento e afirmação. É, portanto, por reconhecer e compreender a história que a gente pode dizer que a linha de tendência histórica é, e não pode não ser, em direção ao socialismo. E, vemos isto mesmo com todos os movimentos pendulares da economia entre estes extremos, de um momento de mais liberalização para outro de maior socialização da produção social e vice versa. É o socialismo a direção de futuro imediato, e tem sido assim desde o fim do século 19. Desde lá as tendências de regulação dos mercados e proteção social, por exemplo, se mostraram vitoriosas sobre o liberalismo na prática e na teoria. Tenho certeza que isto parece muito estranho de ler agora que estamos no ponto máximo de um período de predomínio do liberalismo na cena mundial, que vem desde os anos 80. Mas este extremo liberal no pêndulo histórico está justamente findando agora, nessa sequência de crises econômicas e guerra. E ele será seguido, necessariamente, por um período de maior socialização da economia no interior dos países e no plano mundial. Na verdade, como deve ser, este novo movimento de maior socialização da economia mundial já está em curso inicial, sob todas as contradições impostas pelo momento de predomínio do liberalismo. Esta tendência se assenta em necessidades da própria realidade, ou seja, do próprio capitalismo. Está mais do que claro que, deixado por sua própria conta, o capitalismo produz concentração progressiva de riqueza e crises insustentáveis em função de seu imenso custo econômico e social. A própria história natural do capitalismo leva à sua negação, como também, não podia deixar de ser. É claro que qualquer sistema tem sua resistência e sua plasticidade que lhe permitem perdurar na história. E o capitalismo é um sistema de grande vitalidade. Mas não o suficiente para não estarmos vendo, ao longo das décadas, sua negação progressiva. Podemos dizer, com segurança, que vivemos em um mundo mais socializado do que há 150 ou 200 anos atrás. Apesar de toda a regressão liberal que vivemos nas últimas décadas. Uso o termo regressão não porque não visse necessidade e nem resultados positivos na onda liberalizante inciada na década de 80 do século passado. Não, ela foi, naquela época, algo progressivo, com o grande avanço da globalização e das novas formas de produção que, desde então, ocorreram. Na época eu fiz esta análise e, agora, ela se complementa pelo novo momento histórico em que estamos vivendo. Sim, porque agora estes avanços chegaram ao limite nesta nova estrutura liberal da economia mundial. A grande concentração de renda no interior dos países e a falta de coordenação e devida regulação, nas economias nacionais e no plano mundial, tornam as crises imperativas e sem resposta adequada. Este é o período em que nos encontramos. Estamos, há mais de uma década já, em uma sequência de crises econômicas sem resolução efetiva, ao ponto que, agora, até a loucura propriamente, a extrema loucura sociopolítica, da guerra, das grandes guerras transnacionais, já parece ser uma circunstância ou condição até aceitável e racional. A guerra é um extremo paradoxo do sistema, quando sua irracionalidade vem a tona de modo irrefutável. Por mais razões que tenham as guerras, nada pode negar sua contrariedade e irracionalidade para o próprio sistema. É óbvio, nos próprios termos, que, por mais razões que tenham para uma guerra, mais razões ainda existem para a paz no sistema. E para tudo o que interessa ao sistema humano. Mas sabemos também que as guerras surgem no sistema como uma necessidade incontornável. Num certo tempo, por motivos religiosos, cristãos atacaram muçulmanos. Sob a bandeira da cruz. E pareceu a muitos uma necessidade imperiosa naquela época. Como para muitos parece hoje, fazer a guerra em nome dos seus Estados, de seus países. E, neste momento a guerra lhes parece mais racional do que a paz. Mas a guerra nunca vai ser mais racional do que a paz, para o sistema. Ou, realmente, sejam quais forem as razões da guerra sempre vão haver mais e melhores razões para não fazer ou para terminar a guerra. Seja como for a guerra é um extremo de irracionalidade autodestrutiva que o sistema se permite ou com o qual ele se resolve, na forma de uma crise máxima de agressão e destruição entre os povos. É um extremo de irracionalidade, um delírio de violência e destruição, que parece justificar todos os demais, que atravessam o nosso sistema social atual. Ainda que o sistema necessariamente se resolva com guerras periodicamente e que a competição pareça ser a força motriz do sistema atual, obviamente a guerra tem que ser episódica, apenas.. Como resolver isto? O tempo nos mostrará. Por enquanto, vamos olhar um pouco mais para o presente e refletir sobre isto a partir da realidade atual. Hoje devemos ter mais de 10 guerras declaradas no mundo. Além das diversas guerras não declaradas, entre povos ou no interior de cada nação ou país. Países como o Brasil podem ser considerados, com justiça, como em permanente guerra civil não declarada. Por exemplo, a guerra mais falada no momento é a guerra da Ucrânia, mas é certo que, ao longo de alguns anos, podemos esperar mais mortes por arma de fogo no Brasil do que no território ucraniano. São centenas de milhares de pessoas que morrem, portanto, todos os anos no mundo em conflitos armados, declarados como guerra ou não. Parece mesmo ser uma necessidade do sistema porque não é possível remontar a um período histórico em que tenha sido muito melhor do que isto. Podemos dizer, com certeza que todos os sistemas sociais até agora foram falhos ou fracassaram parcialmente em sua tarefa fundamental de manter a paz, de evitar os conflitos armados de grande proporção e todas as suas consequências destrutivas. Mas, certamente, não há, dentro das possibilidades objetivas, nada que nos condene a repetir sempre os erros do passado. E a paz continuará, necessariamente, sempre, sendo uma condição e uma virtude desejada pelos sistemas sociais. O resultado direto e inquestionável de qualquer guerra é sempre destruição material e de vidas humanas em larga extensão. Podemos, portanto, dizer que a capacidade de manter a paz é uma das maiores virtudes ou mesmo a maior virtude de um sistema social. Pois, obviamente, por melhor que seja o seu desempenho em guerra ele seria melhor ainda em paz. Isso vale em geral e para qualquer guerra em particular, como esta da Ucrânia. A Ucrânia, infelizmente para os ucranianos, surge apenas como bucha de canhão, como zona de conflito, como o campo de destruição e sacrifício de vidas que a Rússia e a OTAN estabeleceram. Como pode haver essa guerra hoje, com os meios de comunicação e interação social atuais, com as capacidades tecnológicas e recursos de produção que já temos disponíveis para nós, como a cultura europeia e norte americana, por um lado, e a russa, por outro, se envolveram nesta destruição e assassinatos de milhares de pessoas na Ucrânia? A troco de quê? É um fracasso particular destas potências e culturas e um fracasso geral do sistema social atual. Esta irracionalidade absoluta não pode ser desconsiderada ou minimizada. É mesmo um grande fracasso das potências envolvidas e do sistema como um todo. Por mais que os Ucranianos resistam é óbvio que esta guerra só terminará quando o poder na Rússia entender que seus objetivos estratégicos foram cumpridos. O que significa, de acrodo com suas próprias declarações, a redução do poder militar ucraniano e a eliminação dos batalhões neo nazistas, a não entrada da Ucrânia na OTAN e o reconhecimento da independência dos territórios russófilos do leste, em uma faixa contínua até a Crimeia e, talvez, provavelmente, até Odessa. Não há possibilidades da Ucrânia se contrapor à Rússia militarmente. A resistência é inútil. Exceto para os interesses geopolíticos do poder nos Estados Unidos e para a indústria da guerra. Toda a propaganda belicista em favor da Ucrânia, todos os recursos militares e toda a grana enviada à Ucrânia neste momento só atendem a estes interesses e só levam a mais mortes e destruição no território ucraniano. E todos os ditos líderes ocidentais sabem disto. Então por que insistem? Pior ainda são as sanções e o aumento dos orçamentos militares em vários países da OTAN. As sanções e as restrições ao comércio de grãos estão levando a novas tensões dentro da grande crise econômica em que nos encontramos, com a inflação e a fome disseminando-se amplamente. Enquanto as expectativas de crescimento econômico são progressivamente reduzidas. Este é o verdadeiro resultado da guerra e vocês podem ter certeza, será muito pior do que a destruição direta causada na Ucrânia. Muito mais pessoas morrerão, enfim, por causa da miséria e da fome que se disseminam mundo afora e são impulsionadas pela guerra econômica, pelas sanções e restrições ao comércio internacional. E essa loucura acontece quando ainda nem nos recuperamos da loucura das quarentenas generalizadas por tempo indeterminado que desestruturaram a economia e a vida social nos últimos 2 anos. E quando ainda pode ter lockout em cidades chave na China. Parece claramente que, neste momento, eles jogam em favor da recessão, da quebra de cadeias produtivas mundiais. E eu creio que sim, ou, já posso ter certeza que sim, mesmo. Hoje muitas forças jogam em favor da crise e da quebra da produção mundial em larga escala. Porque este é um caminho natural, ou, espontâneo, digamos assim, para a resolução das crises econômicas estruturais. O aprofundamento da crise até a destruição de setores ou modos de produção de baixa eficiência econômica e o barateamento da força de trabalho, entre outras condições para um novo ciclo de acumulação e desenvolvimento dentro do capitalismo. Esta necessidade se faz tão imperativa que até as grandes guerras parecem muito mais aceitáveis ou justificáveis nos momentos de crise estrutural capitalista. A guerra realiza, digamos assim, parte do trabalho sujo da crise econômica. Não vou me estender sobre isto porque já documentei esta ideia em textos anteriores. E não posso encerrar este texto sem afirmar e destacar que só há e só pode haver um tipo de guerra justa e justificável, a guerra revolucionária das massas populares, de qualquer povo, contra seus opressores, contra seus escravizadores. Todas as demais são, ao contrário, apenas guerras de dominação e opressão e não têm justificativa possível em relação à vida e à dignidade humanas.

A CRISE ATUAL E SEU SENTIDO HISTÓRICO


Seguimos um complexo padrão de percepção e análise. Nossa lógica é caótica. E nossa certeza frágil e provisória. Mas somos nós que fazemos este movimento, nós que criamos a ação e fazemos o ser avançar.

Não posso discutir nada com quem não entende, porque o nosso tempo é curto.

Agora todos podemos ver como a loucura está presente em nosso mundo, em nossos sistemas, nas nossas vidas, nas escolhas e nas ações. Muitos desprezam sempre o inconsciente em suas existências. Ou o traduzem como mágica, mística e moralismo. 

Não me importa. O inconsciente está ai em cada um dos nossos gestos e, antes, em cada uma das nossas decisões.

Vimos a loucura dominar o mundo na resposta estúpida e ineficiente à pandemia e desbancar a confiabilidade de institutos antes inquestionáveis, como o CDC dos estados unidos, que certamente não foram capazes de estabelecer padrões de reação eficientes e seguros diante da covid.

Neste momento Shangai está saindo de um longo lockdown, de mais de 4 semanas, em boa parte da cidade. Com certeza aconteceram cenas de violência e desespero em função desta atitude extremada de bloqueio à circulação das pessoas e testagem e isolamento dos positivos, compulsoriamente. Mas, certamente, também, isto é muito menos danoso para as pessoas e a economia da China do que foram os meses e meses de quarentena generalizada aqui no Brasil e no mundo ocidental em geral. E muito mais eficaz no controle da epidemia.

Tem alguns princípios da epidemiologia e da clinica que a gente normalmente não erra por seguir. Um deles é que em uma epidemia, diante de uma doença transmissível potencialmente grave, devemos prover o devido isolamento, se necessário, das pessoas contaminadas e, muito eventualmente, de seus contatos. Outro é que diante de qualquer risco ou evento danoso para a saúde ou ameaçador da vida, devemos proteger antes e mais, os mais frágeis diante deste risco ou evento.

Creio que hoje já está claro que onde houve sucesso real no controle da epidemia, sem travar toda a vida e a economia social, foi onde o primeiro destes princípios foi seguido. Enfim, é uma racionalidade epidemiológica básica que foi completamente pervertida, aqui, no mundo ocidental, inclusive nas nações muito desenvolvidas da Europa e nos EUA.

É num destes momentos em que a gente tem a certeza inquestionável de que o inconsciente está operando. Os atores mais sérios, mais capazes, mais responsáveis em todo o mundo ocidental, rico e desenvolvido, batendo cabeças, rasgando seus manuais e se lançando em programas de ações inseguras, não testadas e sem base teórica razoável e muito mais ainda, sem viabilidade e efetividade práticas. Deu no que deu. Mas o que me importa considerar agora não são os péssimos resultados. Mas sim o papel da irracionalidade, do delírio e das mais confusas emoções nesse processo.

O que de fato conduziu as mais brilhantes cabeças e capacidades individuais e dos sistemas do mundo ocidental a tamanha confusão e demonstração de incompetência diante da pandemia?

A gente pode projetar muitas coisas para explicar isto, mas certamente não é fácil achar uma boa explicação para isto dentro dos argumentos epidemiológicos e políticos apenas. Não é por incompetência epidemiológica que o CDC não conseguiu estabelecer uma linha estratégica de controle da pandemia minimamente eficiente, em contraste com a enorme eficiência do sistema chinês, por exemplo. E nem foi pelo bate cabeças político característico das farsas democráticas que isto não aconteceu, não mesmo, pois, de um jeito ou de outro, tanto nos EUA, quanto na Europa e aqui também, as normas técnicas emanadas pelas instituições responsáveis acabaram sendo seguidas. Essas normas mesmas é que eram irracionais, inviáveis e, portanto, ineficientes.

É o inconsciente operando.

E nada escancara mais essa estupidez delirante que faz mesmo parte de nosso ser e de nossos sistemas quanto a guerra. A guerra é a estupidez a toda vista, sem pudor, sem vergonha. A guerra é o exercício da destruição e da violência mortal contra inocentes. E quando digo inocentes, não estou referindo-me apenas aos civis. Não, claro que não. O que fez qualquer um dos soldados russos que entrou hoje na guerra e está a ponto de ter a cabeça explodida, o que ele fez contra qualquer pessoa da Ucrânia, para ela esteja justificada a matá-lo?. E, pior ainda, os ucranianos, cada soldado ali, muitos deles até ontem eram amigos de russos, o que eles fizeram para que a sua morte seja considerada aceitável e não um crime? Não fizeram nada. Quem fez e quem faz este tipo de delírio mórbido, assassino, são os seus líderes políticos. Mas na logica completamente delirante da guerra está realmente justificada a morte de desconhecidos completos, em nome da defesa dos interesses da nação. Interesses da nação? Que loucura é essa? Bom, eu sei para muitos Ucranianos e Russos agora esta loucura é a única coisa racional que existe. Lutar até morrer em defesa da nação. Tudo bem. Depois de instalada a guerra é justamente a lógica da guerra que prevalecerá até ela acabar. É a lógica da destruição e da morte imperando.

É claro que isto é um fracasso político e deve ser debitado na conta dos incompetentes que forçaram a guerra, que não a evitaram, que a proclamaram e que a estão conduzindo. Vocês são pagos justamente para evitar as guerras. Se fosse para resolvermos na porrada e na bala nossas dificuldades a gente não precisaria sustentar vossas incompetências com ricos soldos e mordomias. Vocês são um fracasso retumbante. E dão mais uma prova de sua inutilidade e desserviço à humanidade. O tempo dirá.

Por enquanto vamos nos ater ao centro do raciocínio. 

Por que mais essa demonstração extrema da irracionalidade e mais ainda, das forças irracionais mais destrutivas em nosso mundo neste momento e especificamente às margens da União Europeia, do velho mundo rico e civilizado?

Quem, de algum modo, conhece o que eu penso, sabe qual é a minha resposta para isto. É a economia, estúpido.

É a crise econômica mundial fruto da grande concentração de riquezas no interior dos mais diversos países do mundo, levando a importante empobrecimento relativo e às dificuldades de realização do capital mundo afora.

Esta situação de crise econômica estrutural impõe aos sistemas e às pessoas em seus postos de poder e decisão a necessidade imperiosa de fazerem besteiras, tomarem decisões estúpidas, darem vazão a seus sentimentos mais torpes e obtusos e, por fim, fazerem a crise avançar no sentido de uma resolução cataclísmica.

As políticas econômicas e sociais anticíclicas, a cooperação multilateral e as respostas sistêmicas planejadas e integradas são, certamente mais racionais e permitem lidar com as crises econômicas de algum modo, com efetividade e dignidade social, mas, quarentenas generalizadas e guerras cumprem mais rapidamente e intensamente o papel de pôr um freio de arrumação na economia desequilibrada, doa a quem doer. 

Há ainda dois fatores nesta grande crise econômica do presente que a tornam muito especial e verdadeiramente única. Eles merecem toda a nossa atenção.

Trata-se da dupla transição sistêmica, mundial, que está em curso e que se acelera com a crise e seus desdobramentos. A transição da hegemonia mundial dos EUA para a China e, com ela, a transição para o socialismo. Todos estes grandes movimentos de transformação no sistema mundial têm uma semelhança com o trabalho de parto natural, eles quase nunca ocorrem de uma vez e nem muito menos suavemente. Não, há contrações e dores, muitas e muitas delas frustras, que não resultam na transformação final, mas, às vezes imperceptivelmente, fazem o trabalho de parto avançar. E é assim que avançamos agora também. Em uma visão sintética, o resultado das grandes crises econômicas do início do século passado e das guerras inter-imperialistas foi o aumento da socialização do sistema econômico político e, ao menos no mundo rico e desenvolvido, governos e políticas sociais democratas tiveram projeção e preponderância desde o fim da segunda grande guerra do seculo XX e pelo menos até o início a década de 80. E, em grande medida, esta preponderância persiste até agora, apesar da grande onda (neo)liberal que veio desde então. Estamos agora no extremo deste momento liberal que, com certeza pouco contestável, leva sempre às grandes crises econômicas e, enfim, nos trouxe até este momento atual. Iremos agora, em movimento pendular, nesta representação do sistema mundial, como nas contrações e refluxos do trabalho de parto, ao novo momento de ampliação, de fortalecimento e aprofundamento da via socialista que, obviamente, no presente se associa à acensão mundial da China.

É claro que o império dominante não tem intenções de ceder sua posição e fará o possível para confrontar a potência emergente, ainda mais quando esta força emergente representa uma mudança, uma transformação ou uma nova forma, do sistema, que ameaça a própria alma, digamos assim, do poder vigente. E é o que acontece com o socialismo chinês em relação ao capitalismo liberal norte americano.

É bom que quem não é da área saiba, e quem é lembre, que a social democracia nasce com a perspectiva de fazer a transição socialista sem a luta armada, sem a tomada violenta do poder, sem a ditadura do proletariado, pela via democrática, por dentro do sistema capitalista democrático.

Muita tinta já foi gasta para questionar ou afirmar essa possibilidade. E como era de se esperar, olhando de hoje, mais de 100 anos depois, parece que essa perspectiva original da socialdemocracia foi frustrada e não conduziu nenhuma democracia ocidental para a transição socialista. Se você olha a história como fotografia e não como filme sim, parece que foi frustrada. Mas se você olha como filme você pode ver que as experiências sociais democratas persistem como instituições que remodelaram completamente o mundo do trabalho e a vida social em diversos países ou, sendo mais ousado, em todo o mundo ocidental rico. E até mesmo nos sistemas subordinados dos países pobres houve ganhos significativos. E com certeza a crise atual é menos danosa do que foi sua equivalente há 100 anos. E com certeza também parte importante da melhor resposta atual à crise se deve aos mecanismos sociais democratas de proteção social e regulação da economia, inclusive as ações anticíclicas, que ainda persistem. Nada disto é parte de um arsenal político liberal. Mas hoje se incorpora em todo mundo e, mesmo depois da onda (neo)liberal bater no seu extremo máximo, que é agora, as práticas e instituições sociais democratas ainda são grande parte do melhor que o sistema consegue fazer.

Mas agora estamos em outro momento e estes recursos sociais democratas apenas não podem bastar, não são suficientes e o que se mostra como alternativa de sucesso é o socialismo chinês. Isso é inquestionável quando a gente olha para a economia, estúpido. E a aceleração em que o avanço chinês se dá é incontrastável. Agora podemos dizer que os desígnios do PT, por exemplo, se atrelam aos da era chinesa no comércio mundial. Sim, como os desígnios do Brasil, independente de quem estiver no poder. Os desígnios da África. Os desígnios de todo o grande território que vai do entorno à China até a Europa. Tudo isto hoje está vinculado diretamente aos desígnios da China. E a China é socialista. Então nós já estamos mesmo vivendo uma transformação de grande extensão e profundidade no mundo capitalista atual. Isto é óbvio e em pouco tempo nem poderá ser questionado. O sistema capitalista mundial está sofrendo uma enorme transformação mundial com a acensão da China.

Ou seja, estamos neste momento de conversão do pêndulo do extremo da onda (neo)liberal para a nova onda socializante, a nova onda socialista. Significando, em termos genéricos, que a produção social será mais socialmente direcionada. Nesse trabalho de parto de superação da sociedade capitalista que estamos desde a metade do século XIX e que já nos trouxe um tanto longe do capitalismo originário da revolução industrial e que está agora neste processo de transformação acelerada, onde tudo, de certo modo, aparece como sendo uma loucura destrutiva, ou autodestrutiva.

Fascismo, nazismo, xenofobia, nacionalismo, machismo, homofobia, racismo, opressão social, exploração e roubo do trabalho alheio, terrorismo de estado, assassinato e tortura de líderes populares nas vilas e periferias, nas ocupações, morte e violência para todo lado como estratégias de poder. Essa barbárie toda, essa loucura totalmente destrutiva, que aparece hoje, de novo, como emergência de energias e forças essencialmente destrutivas e regressivas no extremo das crises na onda liberal e conservadora, isso é, no entanto, nosso dia a dia, aqui no mundo periférico do capitalismo imperial norte americano, por séculos e séculos.

Quem vai dar um passo adiante? Quem vai conseguir tirar o próprio mundo rico e desenvolvido desse estado de barbárie em que está se metendo atualmente? Quem vai conseguir tirar a população brasileira do estado de barbárie em que ela está condenada a viver cotidianamente ao longo dos séculos? Não falo de pessoas, por favor, não me confunda, eu sou anarquista e não precisamos de líderes. O que precisamos é de ideias e ações. E uma coisa eu posso te adiantar com toda a certeza,, não vai ser com a doutrina e as práticas liberais que sairemos dessas crises por um caminho de dignidade humana. Não, com certeza não. A doutrina e as práticas liberais nos tirariam dessas crises, como sempre tiraram, através de muito sofrimento humano e guerras. E só há uma outra alternativa real, historicamente em movimento. É a alternativa socializante: social democrata, socialista.

Vamos nesse caminho e esse é o caminho real de desenvolvimento humano no presente e futuro próximos. O que quer dizer, para nós anarquistas, que o combate será, progressivamente mais dentro do sistema socialista da economia capitalista mundial. Fica óbvio, na própria confusão dos termos, que para nós anarquistas, persiste a necessidade de mantermos limpos os nossos prismas ideológicos e conceituais e sabermos como usa-los. E sim, se o raciocínio histórico que fiz acima é verdadeiro em suas linhas gerais, também é verdadeiro que é o anarquismo o prisma ideológico e conceitual que permite a melhor visualização da complexidade caótica da atualidade e também, consequentemente, a melhor crítica e o melhor posicionamento.

Vale a pena fazer um exercício de demonstração do que seria isto com objetos atuais e, de qualquer modo, para não deixar ninguém perdido, reitero que todo o raciocínio anterior é desenvolvido com este filtro anarquista.

E se eu puder pinçar um ou dois assuntos aleatórios da mídia social atual, algo que tenha algum valor para elucidar o que eu tô querendo dizer, a guerra da ucrânia certamente é um foco.  Não vejo porque anarquistas se posicionarem por um dos lados em uma guerra interimperialista. E o que parece bem claro é que a guerra econômica e os movimentos estratégicos internacionais são muito maiores do que a questão local.Nós nos posicionamos, por origem, contra qualquer guerra entre estados nacionais e certamente não reconhecemos o valor que o mundo capitalista e o conservadorismo em geral atribuem aos Estados Nacionais. Muito ao contrário. Eles são predominantemente, hoje, barreiras para o desenvolvimento humano. A unidade coletiva não pode ser outra coisa que o fruto da livre afirmação e manifestação das pessoas e grupos. O modelo de integração política mais aceitável em uma transição anarquista, pós socialista, portanto, é o Confederalismo. Como Bakunin sugeriu e como está em exercício em Rojava. E isso num mundo de integração digital tem ainda que ser fortemente desterritorializado. Bom, o tempo dirá. 

Quero finalizar com um lamento, pouca gente deve ter notado, mas, aproveitando a situação de estupidez geral em função da guerra da Ucrânia, o estado de Israel está bombardeando o território Palestino e  o estado Turco está bombardeando o território Curdo no Iraque / Síria. Todas são violências injustas, opressivas e no caso da questão Curda ela toma para nós anarquistas o caráter de tragédia simbólica transhistórica de máxima importância, porque é em território curdo, reconquistado do ISIS, pelas armas, que está se realizando a maior experiência político social anarquista de toda a história. Uma sociedade autonomista e coletivista se constrói ali já há mais de 10 anos, baseada em três pilares fundamentais: o confederalismo, o feminismo e a ecologia. Infelizmente são poucas chances de que a maravilhosa experiência de Rojava resistirá aos ataques assassinos do estado Turco. 

Seja como for a experiência de Rojava, caso ela persista ainda por muito tempo ou não, será um momento, já, de afirmação da transição anarquista, que, no entanto, é óbvio, está ainda distante no tempo, em se tratando de sua realização no sistema mundial, que está agora, justamente, como tentei mostrar, ainda na transição socialista.

Você pode me perguntar por que eu tenho essa visão de desenvolvimento do sistema e acredito que sou capaz de antever o sentido deste desenvolvimento, ainda que contraditório e pendular, para o socialismo e o anarquismo. Isso me faz ter que retornar aos meus fundamentos, antropológicos, psicológicos e econômicos ou, ao fim, históricos, pelos quais eu vejo assim. Mas isso será tema para outro post.