domingo, 14 de agosto de 2022

EPIDEMIOLOGIA DA MORTALIDADE DA COVID

Epidemiologia da Mortalidade por Covid até Agosto de 2022


Assim que a epidemia de Covid surgiu, em fins de 2019, início de 2020, na China, e iniciou a sua disseminação mundial, surgiu também a ideia, logo amplamente acatada no mundo ocidental, de que, antes da vacina,

a principal forma de se prevenir a propagação da doença e seu rastro trágico de mortes, seria o isolamento social.

Essa ideia foi difundida como uma verdade cientificamente comprovada, especialmente a partir de uma publicação do Imperial College of London (Report 9: Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID-19 mortality and healthcare demand - Março, 2020), bem no início da pandemia e foi progressivamente adotada, de um modo ou de outro, pelos países ocidentais em geral.

Como afirmam os autores de artigo atual sobre o tema, no Brasil:

“Desde o início da pandemia, as autoridades de saúde pública do Brasil recomendam a adoção de medidas para evitar a propagação do vírus, como o distanciamento social, isolamento dos casos confirmados da doença, higiene das mãos e uso de máscaras. Porém, a principal estratégia para diminuir o número de casos e mortes pela Covid-19 foi o fechamento total ou parcial de locais que reuniam um grande número de pessoas, tais como escolas, estabelecimentos comerciais considerados não essenciais, fronteiras e cancelamento de eventos públicos”. (Adesão ao isolamento social na pandemia de Covid-19 entre professores da educação básica de Minas Gerais, Brasil – Saúde e Debate, Março, 2022).

Deve-se destacar que nos países do mundo ocidental, Europa e Américas, em geral, essas medidas de isolamento social, representando uma quarentena generalizada, de praticamente toda a população do país, foram recomendadas e sua implantação foi de fato tentada, sem prazos definidos, ou seja, por período indefinido, até que se tivesse vacinação em massa contra a doença.

Deve-se destacar também que entre as medidas citadas pelos autores no trecho acima, como recomendadas pelas autoridades no Brasil, não consta a testagem em massa. Não consta a testagem, de modo algum. E isto não é um lapso imperdoável dos autores. Infelizmente, é muito pior. Este foi um erro estratégico real das autoridades de saúde pública no nosso país. Não houve, é claro, nenhuma estratégia de testagem implantada no Brasil, nem a nível nacional nem em outro nível populacional qualquer.

Parece razoável concluir, aliás, que a negligência com relação à importância da testagem na estratégia de prevenção foi estimulada, ou até em parte determinada, pela estratégia de isolamento social geral, de quarentena generalizada por tempo indeterminado. A estratégia de testagem parece mesmo menos importante se realmente tivermos um isolamento geral. Não é de se estranhar que o referido artigo referencial do Imperial College, por exemplo, não faz uma mínima consideração sobre o impacto potencial da testagem em massa como estratégia central na prevenção da epidemia.


A adoção destas medidas de isolamento social, ou quarentena generalizada, em um país, por tempo indefinido como o eixo ou núcleo de toda a estratégia, ou, pelo menos como a medida principal, para o controle da epidemia antes da vacinação em massa, tinha dois ou três pressupostos que devem ser considerados:
1. Essas medidas seriam efetivas para a prevenção da epidemia. Isto quer dizer, que elas seriam aplicáveis na realidade e teriam os efeitos esperados.
2. O dano potencial ou real provocado pela epidemia superaria, em muito, o dano causado por estas medidas de isolamento por tempo indeterminado

3. Essas medidas de isolamento social seriam as únicas, as essenciais, ou, pelo menos, seriam muito mais eficazes do que quaisquer outras que pudessem ser adotadas em seu lugar.

Na verdade esses pressupostos da proposta foram assumidos imediatamente ou progressivamente como certezas cientificamente comprovadas. Apesar de não se ter objetivamente quase dado algum para sustentar estas certezas. E apesar de até mesmo a OMS indicar, ainda no início da pandemia, a testagem como o centro de qualquer estratégia de prevenção.

Na época parecia impossível, e ainda hoje talvez seja, alguém se contrapor a estas certezas midiáticas. Ainda mais pelo caráter político ideológico que elas tomaram na ocasião, sob o impacto aterrorizante de um crescente de mortes causadas pela epidemia. Por motivos que não cabe avaliar agora, apenas a direita e até mesmo apenas a extrema direita combateu diretamente o isolamento social no mundo ocidental. E quem, de outro matiz ideológico também se contrapôs, foi taxado como fascista, na ocasião. Mas agora já temos um conjunto de dados de realidade de mais de dois anos e meio de pandemia, com realidades completamente diferentes entre os diversos países no mundo. Talvez a gente consiga olhar para estes dados com a intenção investigativa e simplesmente perguntar o que eles nos dizem.

Os objetivos das medidas de prevenção eram basicamente diminuir a transmissão e assim o número de casos novos e mortes. Não podemos considerar os dados de números de casos como definidores para a avaliação do impacto de qualquer medida de prevenção neste caso, porque os recursos e as formas de diagnóstico e testagem foram e são muito diferentes nos diversos países mundo afora. Parece mais razoável nos fiarmos nos dados de mortalidade, mais seguros e definidores, de fato, do impacto final da pandemia, ainda que também com um bom potencial de questionamento e divergências.

Por isso concentro a análise abaixo apenas nos dados de mortalidade.

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Desde o início da pandemia, até 13 de Agosto de 2022, ou seja, em mais de dois anos, o número total de mortes associadas à COVID no mundo foi de 6,4 milhões (Fonte: Johns Hopkins Coronavirus Resource Center). Ou seja, menos de 3,2 milhões por ano. Isto é bastante similar ao total de mortes que ocorrem todos os anos por pneunonia. E está vários milhões abaixo das mortes anualmente causadas por Infarto ou derrame (mais de 10 milhões cada).

A população mundial é hoje de 7.9 bilhões de pessoas. A taxa de mortalidade associada à COVID é, foi, portanto, menor que de 0,4 / 1000 pessoas por ano.

Já o total de mortes anuais é de 60 milhões em todo o mundo e, portanto, a taxa de mortalidade geral no mundo é próxima a 8 / 1000.


Estes são os dados e a realidade no mundo após 30 meses da pandemia.

O seu impacto, sintetizado na mortalidade, é equivalente àquele que ocorre anualmente causado pela pneumonia e várias vezes menor do que aquele causado todo ano pelas doenças cardiovasculares.

O que essa informação nos serve é para pensar se diante deste risco, do risco deste dano, as medidas de quarentena generalizada por tempo indeterminado seriam justificáveis. Avalie por você mesmo.

Duas informações adicionais devem ser contrastadas com essa para que se possa fazer uma boa avaliação realmente.

Primeiro é o custo social, humano, econômico, de saúde e para a vida das pessoas em geral que estas medidas impuseram. A quebra de cadeias produtivas, a recessão generalizada, o desemprego, os aumentos da pobreza e da miséria, a perda educacional, as descontinuidades e atrasos em diversos tratamentos, as rupturas sociais e o sofrimento psíquico etc. Os danos causados pela pandemia e os seus riscos, eram ou foram ou ainda são, tão maiores que estes do isolamento social generalizado por tempo indeterminado, de modo a justificá-los? Ou estas medidas de fato causaram e causam mais danos do que benefícios?

A segunda informação ou questão que deve ser considerada é qual a efetividade real das medidas de isolamento assim adotadas? Qual terá sido o real impacto destas medidas na disseminação da doença? Qualquer um que esteve no Brasil ou na Índia, ou em algum país da Europa nesta época, pode, com certeza, indicar um grande conjunto de falhas nas medidas de isolamento social em seu país. Falhas graves, continuadas e reiteradas que comprometeram de fato o isolamento social no país, constantemente. Mas, mesmo assim, acreditam piamente que o isolamento foi o fator mais importante para a prevenção da propagação da epidemia. Argumenta-se, portanto, que uma mortalidade maior foi evitada pela estratégia de isolamento social generalizado até a aplicação em massa das vacinas. Mesmo com tantos furos e a virtual impossibilidade de uma boa aplicação desta ideia na prática, o isolamento generalizado, a quarentena de toda a população, por tempo indeterminado, até a vacinação, foi difundida e adotada, em países ocidentais, na Europa e nas Américas, como a firme posição científica sobre a questão e, na medida em que foi aplicada, deve ter reduzido de algum modo a mortalidade pela epidemia.


A mortalidade é, com certeza, uma expressão sintética destes resultados, onde a prevenção foi mais efetiva a transmissão deve ter sido menor e a mortalidade também, consequentemente.

Contudo, quando olhamos para a epidemiologia desta mortalidade, em sua distribuição por países, não parece haver a menor consistência na ideia de que estas medidas impactaram de modo realmente efetivo a epidemia no mundo.


Considerando-se os 30 piores desempenhos neste indicador a gente vê o seguinte retrato

COUNTRY

DEATHS/100K POP.

Peru

651,74

Bulgaria

539,47

Hungary

486,17

Bosnia and Herzegovina

485,92

North Macedonia

451,86

Montenegro

439,13

Georgia

423,07

Croatia

401,24

Czechia

379,44

Slovakia

372,35

San Marino

347,69

Romania

344,69

Lithuania

339,05

Slovenia

324,35

Brazil

320,50

US

314,75

Chile

313,50

Latvia

313,28

Poland

308,48

Greece

304,34

Armenia

291,47

Trinidad and Tobago

290,89

Moldova

289,55

Italy

287,54

Argentina

286,40

Belgium

281,61

Colombia

277,67

United Kingdom

275,16

Paraguay

271,39

Ukraine

266,40

Fonte: Johns Hopkins Coronavirus Resource Center


O que me chama mais a atenção neste grupo de piores resultados é:

A presença de países da Europa e Américas, exclusivamente.

A grande presença de países ricos, com alta renda per capita e melhores serviços de saúde em geral.
A presença de vários países da América do Sul.
Uma grande concentração de países do Leste Europeu no pior nível.
Os resultados do Brasil, entre os piores do mundo e muito próximos daqueles dos EUA.

Não parece razoável atribuir às medidas de isolamento social um peso predominante no pior desempenho destes países. Ainda que, até tautologicamente, em condições iguais, onde a prevenção foi pior realizada os resultados devem ser piores.

O que se pode dizer, com boa dose de certeza, é que este grupo de países não se destaca negativamente por terem negado a estratégia de quarentena generalizada com isolamento social por tempo indeterminado. Ao contrário, parece que a maioria destes países tentou, de um jeito ou de outro, justamente, a prevenção da pandemia através desta estratégia.


Considerando-se 30 países com resultados medianamente satisfatórios

Sri Lanka

77.59

Belarus

75.33

Cuba

75.30

Cabo Verde

73.74

Norway

70.72

El Salvador

65.01

Mongolia

64.76

Iraq

62.96

Kuwait

59.99

Indonesia

57.47

Maldives

56.79

Philippines

55.62

Iceland

52.45

Brunei

51.43

Australia

50.35

Korea, South

49.87

Kyrgyzstan

45.84

Thailand

45.56

Vietnam

44.27

Morocco

44.07

Nepal

41.13

Dominican Republic

40.41

Taiwan*

39.35

India

38.19

Zimbabwe

37.59

New Zealand

36.31

Burma

35.72

Sao Tome and Principe

34.68

Palau

33.32

Lesotho

32.86

Fonte: Johns Hopkins Coronavirus Resource Center


Chama a atenção a imensa distribuição geográfica destes países de resultados medianos, um pouco abaixo do resultado mundial global de 80 óbitos por 100 mil habitantes, desde o início da pandemia.

Novamente é muito difícil e, provavelmente falseador, tentar atribuir estes resultados predominantemente à estratégia de quarentena generalizada com isolamento social por tempo indeterminado, até a vacinação.
Ao contrário é possível identificar neste grupo estratégias bem divergentes, com relação ao isolamento social. A Nova Zelândia foi reconhecida como exemplo de estratégia de sucesso baseada no isolamento social generalizado e por tempo indeterminado, ao passo que para países como a Islândia, Belarus, Índia, Vietnã, por exemplo, não parece justo dizer que a estratégia central de prevenção foi esta.


Considerando-se os 30 países com os melhores resultados

Sudan

11.31

Kiribati

11.05

Kenya

10.55

Laos

10.40

Timor-Leste

10.24

Guinea-Bissau

8.84

Somalia

8.56

Uganda

7.93

Papua New Guinea

7.41

Haiti

7.35

Cameroon

7.28

Yemen

7.22

Mozambique

7.10

Congo (Brazzaville)

7.00

Ethiopia

6.58

Angola

5.83

Liberia

5.81

Madagascar

5.09

Uzbekistan

4.89

Vanuatu

4.78

Ghana

4.69

Nicaragua

3.68

Mali

3.65

Guinea

3.40

Togo

3.39

Cote d'Ivoire

3.09

Eritrea

2.90

Bhutan

2.72

Central African Republic

2.34

Burkina Faso

1.85

Sierra Leone

1.58

Congo (Kinshasa)

1.55

Nigeria

1.53

Tanzania

1.41

Benin

1.34

Tajikistan

1.31

Niger

1.28

South Sudan

1.23

Chad

1.17

China

1.05

Burundi

0.32

Korea, North

0.02

Fonte: Johns Hopkins Coronavirus Resource Center


Quando se chega aos melhores resultados, novamente não parece que estes resultados devam ser atribuídos a uma adoção especialmente bem realizada da estratégia de quarentena generalizada com isolamento social, por tempo indeterminado.

Chama a atenção a grande concentração de países da África, com alguns poucos países do Oriente e menos ainda da América. E chama atenção também o excelente resultado da China.

Com certeza não se pode atribuir os melhores resultados neste grupo às medidas de isolamento social que eles teriam implantado e executado melhor do que os outros durante a pandemia, até hoje. Com certeza não foi este o fator predominante da grande presença de países africanos nem dos excelentes resultados da China. Ainda que a China tenha o padrão mais rigoroso de controle da pandemia (O Covid zero, criticado pelo mundo ocidental e pela própria OMS), ele não foi baseado em quarentena generalizada com isolamento social nacional por tempo indeterminado. Não, ele foi baseado em testagem em massa, identificação e isolamento precoce de casos, rastreio de contatos, controle rigoroso de alfândega e lockdowns isolados em bairros ou cidades. Essa metodologia, por mais criticável que seja, e eu sou crítico a ela também, foi, é muito mais efetiva e com muito menor custo do que aquela preconizada e adotada no mundo ocidental.

Pode-se criticar as análises acima indicando que eu estaria comparando coisas diferentes, pois as realidades sociais, demográficas e étnicas seriam muito diferentes nestes diversos países. E poderíamos também levantar várias hipóteses sobre o impacto de cada uma destas diferenças nos resultados.
Mas tudo isto só reforça a minha tese de que, ao nível de países, não se tem evidência empírica suficiente para se atribuir benefício real na prevenção à pandemia pela adoção das medidas de isolamento social (quarentena generalizada) por tempo indeterminado.

Talvez alguém considere ainda que o melhor seria comparar unidades menores, como cidades ou pequenos territórios que implantaram medidas de isolamento social com outros que não implantaram. Mas, é acertado considerar estes dados ao nível de país, pois, esta é a unidade política em que as medidas do nível das discutidas aqui são tomadas e a unidade populacional em que elas de fato se aplicam. Logo a sua aplicabilidade real, os seus efeitos práticos na prevenção da doença e o seu custo social real, devem mesmo ser medidos ao nível nacional. É possível, por exemplo, que medidas muito bem implantadas e efetivas em um pequeno território se mostrem inviáveis e por isso inefetivas em unidades territoriais e populacionais maiores.

E os dados epidemiológicos, de mortalidade por países, parecem indicar mais o sentido contrário.

Em geral, países que se concentraram nesta estratégia de isolamento social como centro ou núcleo de suas medidas preventivas tiveram os piores resultados (mais altas taxas de mortalidade). A estratégia clássica de testagem em massa com localização e isolamento de positivos e investigação de contatos parece estar associada aos resultados mais positivos (mortalidade menor do que a global). Também parece claro que a associação dessa estratégia com o controle de alfândega e com os lockdowns em territórios delimitados (bairros ou cidades) por tempo limitado (semanas) foi mais bem sucedida do que o isolamento generalizado por tempo indeterminado e com custo social, humano, muito menor.