segunda-feira, 25 de março de 2024

MUITO BARULHO POR NADA

Parece que toda a polêmica e a grande mobilização, ideológica, midiática, em torno da votação do STF sobre a descriminalização de pequenas quantidades de maconha, realmente, não passou e não vai passar de uma agitação disfuncional e sem quaisquer efeitos práticos positivos. Não havia e não há, ainda, um acumulado mínimo de consciência crítica e discernimento racional sobre o tema na nossa sociedade. Não era a hora, portanto, desta temática receber um tratamento sistêmico, nacional, seja pelo judiciário, seja pelo Congresso. Não há condições objetivas, sociais, para isto. Não haverá, não deve haver, qualquer avanço neste nível no nosso país, no ano de 2024. Não há uma base real para este tipo de ação agora, porque estamos em um período muito delicado e difícil de início de acerto de contas, ideológico e institucional, com o fascismo, que não é apenas político, mas estrutural na sociedade brasileira. E estamos em um ano de eleições locais no nosso país. É claro que trazer agora pontos muito escandalosos da pauta de costumes e de direitos civis, como são as questões do aborto e das drogas, para o plano nacional, pretendendo decisões institucionais válidas para todo o país, sem o acumulado necessário, só vai fortalecer os partidos e os políticos de extrema direita e os oportunistas. Esta é, hoje, a única chance que resta a estes partidos. Vencer pelo escândalo nas pautas de costumes. Eles realmente não têm mais bandeiras, não apresentam e nem podem mais apresentar alternativas reais para o desenvolvimento econômico e social e isto está cada vez mais evidente. No mundo todo, a questão da segurança, do emprego da violência estatal, sobretudo no combate à criminalidade em geral, ao tráfico de drogas, em especial e às migrações, associada a toda uma pauta de valores religiosos e moralistas é, somente, o que restou para a direita em geral, sob a liderança inconteste do polo do liberal-fascismo, do neofascismo. Para mim está claro, portanto, que, agora, dificilmente as pautas progressistas poderão avançar no plano nacional, seja no judiciário ou no Congresso Nacional e, ao contrário, corremos o risco de revezes, de perdas reais nesta disputa ideológica e institucional, com consequências nefastas também no plano político eleitoral. O STF, contudo, pôs em pauta a descriminalização das pequenas quantidades de maconha, assim como fez com o tema do aborto, mais para atender ao timing de uma ministra que saía do que dinâmica real da sociedade em que eles estão mergulhados. E, como era previsto, teve reação e os pedidos de vista vão se sucedendo. Tudo exatamente como era de se esperar. E, também como era de se esperar, já tem gente cravando que a votação não termina este ano. Eu acredito que não vai mesmo. Mas, isto nem importa muito. Os esculachos, os flagrantes forjados, as prisões ilegais, as execuções sumárias, vão acabar porque se liberou uma pequena quantidade de maconha para porte pessoal? Você realmente acredita nisto? Vai haver desencarceramento em massa, vamos soltar todos os presos por tráfico de maconha com pequenas quantidades? Hoje, eu não creio em nada disto. Se você me perguntar se eu sou a favor; é claro que sou a favor da liberação do porte de drogas, em geral, em quantidades suficientes para o uso pessoal, com certeza. Parece realmente uma boa medida, de respeito e proteção aos cidadãos, às pessoas de bem, que são usuárias de droga. E são muitas, nós sabemos disto, muitas, em todas as classes sociais. E, se você me perguntar também se eu sou a favor do livre cultivo de maconha, é claro que sou a favor da mais ampla liberdade de cultivo. Mas, num julgamento como este do STF, não se trata de uma questão de princípios, de uma questão ideológica, somente. Esta é uma questão social gravíssima, que atravessa a nossa sociedade, com um rio de sangue e barbárie, de cima abaixo. A nossa sociedade precisa da violência cotidiana, em forma extrema, para se auto justificar e se auto sustentar, no modelo em que existiu até agora e que ainda persiste. Sob a camada moral e policial do combate, da guerra, às drogas, nós temos um instrumento muito eficiente de terrorismo constante sobre populações marginais ou marginalizadas na nossa sociedade. Sob a armadura da religião e da justiça, a guerra às drogas opera na disputa de terras, opera na disputa de poder em todos os ambientes, opera no estabelecimento e na manutenção da hierarquia social, da hierarquia étnica e opera, muito, no controle e ordenamento dos comportamentos pessoais. A guerra às drogas é um instrumento útil demais para o sistema. A ideologia moral contra o uso de drogas é útil e eficiente demais para ser descartada. Neste ponto todos se escandalizam com tudo. Mas, muito poucos se escandalizam com as mortes em massa, com o encarceramento em massa e com toda a violência cotidiana que são impostos pela criminalização das drogas. Faz-se, cotidianamente, um terrorismo extremo, absurdo, sobre os riscos e danos das drogas e sobre a altíssima periculosidade, portanto, de se vender tais produtos. Falsidade hipócrita, alimentada todos os dias, por um sem número de bebuns, de viciados em todo o tipo de droga e perversão, pessoas sem moral alguma, abusadores, pedófilos, ladrões, assassinos, todos enchem a boca para tocar o terror contra as drogas e os drogados. E a mídia aplaude e repercute. Jornalistas e deputados, influencers e pastores, padres e até traficantes, botando moral contra os drogados. Difícil saber qual o mais pervertido, qual o mais degenerado, qual o mais dependente. Ignorantes, idiotas. Como pode um bebum falar mal de liberar a maconha? Deixa de ser burro e não passa essa ignorância para os seus filhos, não. E esses viciados em cigarro, então? E esses dependentes de pílulas psiquiátricas? Vocês estão doidos. E doentes. E querem continuar impondo sua insanidade, suas doenças, sobre todos os outros. Isto é o óbvio, do ponto de vista da saúde orgânica, do seu corpo. É incontestável. Não há nem como comparar o alto risco de todas estas drogas ao baixíssimo risco da maconha. Mas, a questão não é de racionalidade, não é de bom senso. O próprio setor de saúde, que sabe, com toda a certeza, a veracidade destas minhas afirmações, quando veio a público, institucionalmente, se posicionar sobre o julgamento do STF, foi para condenar. Na área da saúde, até agora, foi apenas a ideologia fascista que se expressou publicamente. E é sempre assim. Nesta área, o maior omisso, o maior irresponsável, tecnicamente e socialmente, é realmente o setor de saúde pública. Nós sabemos, com certeza, ou deveríamos ter a obrigação de saber, com toda a certeza, que a guerra às drogas mata, incapacita e interdita muitas dezenas, ou centenas, de milhares de vidas, mais do que as próprias drogas o fazem. Nós também teríamos a obrigação de saber que o maior peso em saúde pública, a maior carga em adoecimento e morte, é, de longe, devido às drogas permitidas e prescritas. E, por fim, temos a obrigação de saber também que a maconha carrega risco de saúde pública infinitamente menor que todas estas outras drogas. É nossa obrigação, do setor de saúde pública, trazer esta realidade ao debate e estabelecer critérios técnicos adequados, considerando os riscos inerentes a cada droga. O debate, o confronto ideológico jamais vai cessar, mas, o setor de saúde pública, é, obviamente, o único que pode e deve estabelecer parâmetros e critérios técnicos, de saúde pública, para a condução desta questão na nossa sociedade. Mas, estamos omissos e estamos sendo coniventes com políticas não científicas que levam à perda de dezenas de milhares de vidas todos os anos no nosso país. A força ideológica desta questão e a névoa de terror moral e policial que ela carrega, nos cegam e imobilizam. É claro que seria uma grande ingenuidade acreditar que apenas o estabelecimento de critérios técnicos, médico-científicos, quanto à produção, acesso e uso de drogas psicoativas, poderá ser o suficiente para superar toda a estrutura e a dinâmica sociais que se forjaram sob as justificativas da guerra às drogas. Mas é um passo muito importante no sentido positivo, ao trazer o protagonismo neste campo, que hoje está, indevidamente, entregue a pastores, a políticos ou a policiais e juízes, para quem é de direito. Isto é matéria rigorosamente técnica, de saúde pública, e não podemos abrir mão disto. Muito mais ingênuo ainda é acreditar que apenas esta descriminalização de pequenas quantidades, em julgamento no STF, poderá mudar grandes coisas na realidade do conflito social e da guerra às drogas no Brasil. Do mesmo modo, a reação do Congresso e a pretensa PEC, que criminalizará o porte de qualquer quantidade de drogas, também não deve mudar grandes coisas, se vier realmente a ser aprovada. Hoje isto parece muito mais um jogo de cena para barrar a votação no STF. Mas, mesmo que seja aprovada, isso também mudará pouco, ou nada, na realidade atual. De um jeito ou de outro, o escrutínio policial e judicial para determinar se se trata de uma situação criminosa, de tráfico, ou não, continuará sendo decisivo, em todos os casos. E, adivinha quem será liberado todas as vezes e quem será criminalizado todas as vezes. Ninguém tem dúvidas sobre isto. Aqui no Brasil, a guerra contra as drogas nunca visou, nem jamais visará, o controle ou a eliminação do comércio e do uso das drogas ilícitas. Isto tudo é uma farsa que tem sentido apenas dentro das lógicas fascistas de terrorismo social, que são tão importantes nas sociedades fundadas em extrema desigualdade e violência social, como é a nossa. Você duvida disso? Então considere, por um minuto que seja, as seguintes questões. Por que, em todos os finais de semana, vão acontecer milhares, ou até dezenas de milhares, de festas e baladas, com os endereços conhecidos, em todo o país, de todos os tipos e para todas as classes sociais, regadas a drogas ilícitas, livremente acessíveis e consumidas abertamente, sem qualquer restrição maior? E, por que as biqueiras de venda de drogas funcionam diuturnamente, há anos ou décadas, em pontos fixos, muito bem conhecidos, em todas as cidades médias e grandes do país? É óbvio que tudo isto só acontece, deste modo, porque a guerra contra as drogas aqui e, em geral, mundo afora, é uma farsa completa. As dezenas de milhares de mortes e as centenas de milhares de encarceramentos, assim como as toneladas e toneladas de drogas apreendidas, tudo isto é parte de uma grande farsa que absolutamente não tem o menor intuito de barrar de fato a venda e o consumo de drogas ilícitas Os objetivos da necropolítica da guerra às drogas são outros e eles continuarão a ser perseguidos e atingidos, independente destas marolas que o STF e o Congresso estão fazendo na atualidade. Desculpem-me dizer, mas os soldados que estão no combate nesta guerra, que põem a sua vida em risco, que sofrem danos reais, estão fazendo papel de bobo, eles e seus familiares e amigos, todos estão sendo enganados pelo sistema que os faz perseguirem pessoas envolvidas com drogas muito mais seguras do que aquelas que são legalmente comercisalizadas. Muito mais seguras do que aquelas que são empurradas para eles mesmos nos ambulatórios médicos. Te enganam e te usam de todos os lados. Todos sabem e todos fingem não saber. E uns, coitados, muitos, na verdade, vão morrer por isto. E por quê? Todo o sistema de combate às drogas e de controle dos drogados na nossa sociedade é uma farsa e você sabe disto. Se não, vejamos, então, como pode alguém dar a própria vida ou tirar a vida de outro no combate à maconha, uma planta que certamente é muitas vezes mais segura do que o álcool, o cigarro e as pílulas psiquiátricas? Quem faz isto, quem cria e sustenta estas farsas, está sendo muito irresponsável. Que o Judiciário e o Legislativo naveguem nesta irresponsabilidade, que a sociedade toda faça isto, são condições ideológicas da realidade. Mas tem alguém que não deveria falhar neste aspecto e que, principalmente, não deveria continuar perpetuando o erro. São, repito, os setores técnicos responsáveis, de saúde pública. Todas as condições conjunturais que eu descrevi acima e o impacto social extremamente destrutivo desta política antidrogas estúpida e assassina, ressaltam ainda mais a relevância e a oportunidade de ação pelo setor de saúde pública, o grande omisso, o grande irresponsável e o grande covarde nestes debates. Deixa-se a direita fascista se manifestar sem contraponto institucional e, muito pior, dá-se o endosso técnico institucional para toda esta excrescência que é a guerra às drogas. Nunca podemos esquecer que é a Anvisa, que é a saúde pública do nosso país, quem estabelece que a maconha é droga de alta periculosidade, portanto, ilícita e que o álcool, a nicotina e o citalopram, por exemplo, não são e, ao contrário, são liberados para venda sem restrições. Isto é um absurdo completo do ponto de vista médico-científico e está nas mãos do executivo mudar. Para que isto ocorra, precisamos fazer com que a posição técnica, científica, médica, real, verdadeira, vença a farsa, a paranoia, a hipocrisia e o escândalo moral que imperam, não, diretamente, na sociedade em geral, nem neste Congresso carregado de dementes, mas, antes de tudo, nos próprios órgãos técnicos voltados para o controle de drogas e no setor de saúde pública em geral.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

O que está diante de nós e o que podemos fazer? Uma análise geopolítica e econômica do momento histórico atual

A coisa mais óbvia, aquela que todos nós podemos sentir, mesmo que não se tenha a menor ideia de suas causas, é que o mundo está mais tenso, os conflitos estão se tornando mais agressivos, as guerras estão se ampliando, ou, pelo menos, que o risco de grandes guerras está se tornando maior a cada dia. E isto é simplesmente realista, infelizmente. No momento, a limpeza étnica sionista na Palestina prossegue, com o apoio das grandes potências ocidentais e sem maiores oposições reais, sem que o mundo consiga fazer qualquer coisa efetiva para deter ou impedir, por mais que muitos, em nome da razão e da dignidade humana, se manifestem e protestem contra. Ninguém consegue deter também a guerra proxi da OTAN versus a Rússia, na Ucrânia, que parece longe do fim e com alto risco de se ampliar. E uma guerra, proxi ou direta, dos EUA contra o Irã parece estar apenas no começo. Nestes e em outros conflitos armados internacionais, milhares, talvez, dezenas de milhares, de pessoas morrem todos os dias. Jovens, em especial, são, assim, assassinados e trilhões e trilhões em recursos produtivos são simplesmente destruídos, cotidianamente, nos campos de guerra. E o risco que isto se amplie para níveis ainda mais catastróficos é, realmente, cada vez maior. A OTAN é uma máquina de guerra que compele todos os seus membros a um gasto militar de pelo menos 2% do seu PIB. Isto é absolutamente criminoso, destruidor, para todas as nações da própria OTAN, que poderiam ter uso muitas vezes melhor para estes recursos, e para todo o resto do mundo, que fica sujeito, sempre, à potência militar crescente da OTAN. Isto só pode dar em uma corrida armamentista e, obviamente, na necessidade de guerras, para sua própria justificação. Mas, esta determinação está no estatuto da OTAN e ninguém parece disposto a questionar isto agora. A própria existência da OTAN pressupõe um inimigo que, ao fim da guerra fria, já teria deixado de existir. Contudo, o espírito belicista do império prevaleceu e, desde então, a OTAN só se ampliou. De fato, a existência da OTAN é contrária à carta das Nações Unidas, que pressupunha uma força mundial de imposição da não agressão entre os povos. Sob muitos aspectos, é verdade que a ONU nasceu morta, pois, era, e ainda é, prematura demais. Na área estratégica de segurança militar e garantia da paz internacional, foram a criação do Conselho de Segurança e a definição dos membros permanentes com poder de veto que decretaram a morte da ONU. Simplesmente, as 5 maiores potências militares vitoriosas em 1945 se impuseram, pelo seu poder na época, e a elas foi dado o direito de veto nas decisões estratégicas, como, por exemplo, a imposição de sanções a países e o uso da força militar internacional. Este modelo é estruturalmente injusto, disfuncional e esclerosado. Já nasceu velho e morto. Não funcionou desde então, não funciona agora e não vai funcionar no futuro. Foi feito para isto. Mas, alguma forma de governança internacional, com força de imposição sobre os países individualmente, é cada vez mais necessária, na medida em que os riscos de guerra aumentam e as potências bélicas se agigantam, cada vez mais, em seu monstruoso poder destrutivo. A ONU está morta. Viva a ONU! Ou qualquer outra forma de organização pública mundial, com o mandato da paz e com força para interferir realmente nas situações de guerra no mundo. Algo realmente novo precisa surgir, precisa ser criado, nesta área. E de uma coisa a gente já pode estar bem certo: não vai ser apenas com a entrada de novos membros permanentes no Conselho de Segurança que isto vai melhorar. Ao contrário, mais países com poder de veto, sem mudar mais nada, apenas vai tornar o Conselho de Segurança e, portanto, a própria ONU, ainda mais inoperante no plano estratégico da segurança militar e de imposição da paz internacional. A criação da ONU e a definição do seu mandato de garantidora da paz internacional foram consequentes às grandes guerras internacionais da primeira metade do século passado, que produziram perto de uma centena de milhões de mortes e uma destruição monstruosa da riqueza material e da capacidade de produção da humanidade. Imaginemos o que pode ser a guerra total agora, com o poder destrutivo dos países elevado exponencialmente desde então. Realmente, ninguém quer, nem pode querer, a guerra total entre grandes potências militares, agora, no século XXI. Mas, por outro lado, todo o sistema imperialista se mantém pela imposição do seu poder militar. O poder imperialista capitalista, da Inglaterra e dos EUA, por exemplo, não deixa qualquer dúvida sobre isto. Ele é baseado na vantagem tecnológica, na superioridade econômica, mas jamais deixou de se apoiar na sua superioridade militar. De um modo ou de outro, no limite e constantemente, é, e será sempre, pela força bruta que eles se impõem. E é óbvio que, quando as vantagens tecnológicas e a superioridade econômica estão deixando, ou já deixaram, completamente, de existir, é na força militar que o império decadente vai se apoiar cada vez mais, para tentar manter a sua hegemonia, o seu poder no mundo. Isto necessariamente contribui para a própria bancarrota do império, pois os altos gastos militares se tornam cada vez mais danosos para as próprias economias imperialistas. Também é claro que, nestas condições, a necessidade de tomar poder material sobre as riquezas de outros países e dominá-los estrategicamente se torna cada vez mais imprescindível para os poderes imperialistas. Tudo isto, obviamente, alimenta a máquina da guerra. E é esta, justamente, a situação do império no atual momento histórico. Não é realmente de se estranhar que as guerras se ampliem e intensifiquem, mundo afora, agora. Isto corresponde às necessidades estratégicas do império ocidental (EUA-Inglaterra-Europa e aliados) e de sua máquina de guerra, neste momento de sua decadência relativa no mundo. Decadência relativa que já é claramente evidente e, tendencialmente, inevitável. Agora que nações emergentes realmente se tornam mais potentes economicamente e estão tomando a dianteira do desenvolvimento produtivo da humanidade, só resta às potências em declínio a tentativa de imposição de seu poder pela força. Algo que eles sempre fizeram, é óbvio, mas que agora se mostra cada vez mais necessário. As razões e os movimentos geopolíticos e militares não devem, contudo, serem avaliadas em dissociação da dinâmica econômica. Ao contrário, de um ponto de vista estrutural, do processo histórico, digamos assim, as “razões” econômicas são, no limite, as predominantes. E é bem razoável que seja assim, pois se trata da prevalência, em último caso, das necessidades da produção e do consumo sociais, da realidade social mais objetiva, portanto. Ao fim, é mesmo bem razoável a gente apostar que, no longo curso da história, as necessidades, a estrutura e o sistema da economia vão realmente prevalecer na realidade, de um modo ou de outro, sobre qualquer razão ou posição simplesmente política, jurídica, moral, religiosa ou de qualquer outra ordem ideológica ou institucional. E o fato é que a economia mundial está em uma crise estrutural, de grandes proporções, desde o final da primeira metade deste século, no Ocidente e nos centros de poder do chamado Oeste Global, sobretudo. Esta crise está sendo mitigada, como deve mesmo ser, pela injeção de trilhões e trilhões de dólares pelos governos, pelas casas da moeda, pelo Federal Reserve nos EUA, por exemplo. Estas medidas anticíclicas podem estar nos salvando da crise econômica mais extrema, da depressão econômica prolongada, mas não têm sido efetivas para promover um novo ciclo de desenvolvimento sustentado. Ao contrário, a crise persiste aí, protraída, mitigada, mas ainda assombrando o cenário econômico mundial e se manifestando, por exemplo, em picos recessivos frequentes, em especial nos países do centro imperialista, o chamado Oeste Global. Ocorre que as medidas anticíclicas adotadas foram, e continuam sendo, parciais, limitadas, ainda, pelo contexto ideológico atual, e, por isso, insuficientes. Foram parciais e limitadas porque os trilhões e trilhões de dólares injetados na economia apenas se concentraram nos setores mais ricos da sociedade, mantendo e, na verdade, ampliando a imensa desigualdade econômica e o empobrecimento das massas, o que está na raiz da grande crise atual. Ou seja, as medidas anticíclicas adotadas nos países centrais do sistema imperialista mundial, até o momento. ainda estão presas ao ideário liberal, neoliberal, que dominou a economia mundial nos últimos 40 a 50 anos. Mas, a crise atual é, justamente, a crise final desta grande onda (neo)liberal, que dominou a economia mundial, desde o início dos anos 80 do século passado. Durante a onda liberal, sob o predomínio da ideologia e dos modelos liberais na economia, ocorre uma progressiva concentração da renda e, consequentemente, uma progressiva dificuldade na realização dos investimentos e na própria continuidade do ciclo econômico de desenvolvimento capitalista. As medidas anti cíclicas, anti recessão, devem, portanto, direcionarem os recursos públicos suficientes para evitar a disseminação sistêmica da crise, a derrocada do sistema financeiro e de setores produtivos, mas, também precisam, necessariamente, se dirigirem à recuperação da renda e do poder de compra das massas empobrecidas da sociedade. Não sendo deste modo, a resolução de uma grande crise econômica capitalista somente se dará após grandes catástrofes econômicas e sociais, com depressão econômica, desemprego e empobrecimento generalizados. Ou seja, através da queima de grande parte do capital socialmente desenvolvido, físico e humano. Grandes conflitos sociais e guerras internacionais de grandes proporções são, ao mesmo tempo, uma consequência política deste estresse econômico extremo imposto sobre as sociedades, quanto são formas extremas de resolução da crise, tanto em sua dimensão política quando na própria dimensão econômica. As grandes guerras são uma forma extrema de queimar capital físico e humano e, ao mesmo tempo, de garantir destino seguro ao investimento financeiro, no consumo destrutivo da indústria bélica. Elas são, por isso mesmo, realmente muito adequadas à resolução liberal das crises econômicas e à imposição do domínio econômico imperialista. Obviamente, trata-se de uma “resolução” de crises com um custo econômico, humano, alto demais, para a gente persistir repetindo este erro. Para se evitar e superar os custos extremos de grandes depressões econômicas e de grandes guerras mundiais, tanto em vidas e quanto em recursos da humanidade, é necessária a derrota ainda mais completa do capitalismo liberal. No século passado, as condições para que a grande crise econômica do sistema capitalista mundial fosse superada, somente surgiram após a grande depressão e as grandes guerras internacionais, com um custo de mais bem mais de 100 milhões de mortos e com a destruição física de recursos humanos a um nível completamente absurdo. Ao fim das grandes guerras mundiais do século XX, em 1945, o terror destes eventos catastróficos propiciou uma forte sustentação emocional para a imposição de uma onda socializante no sistema. a partir de então. Ainda que de forma muito desigual, seja na forma da social-democracia e do Estado de bem-estar social, ou não, o fato é que houve, então, um avanço mundial dos recursos de proteção social e regulação pública da economia. Como é mesmo de se esperar, a onda socializante, social-democrata, da segunda metade do século passado, terminou levando, por seu turno, a uma crise estrutural no crescimento da economia capitalista mundial, dada a sua esclerose em estruturas político-sociais, no interior dos estados nacionais e nas relações internacionais, que se tornaram progressivamente mais incompatíveis com o avanço das forças produtivas, da tecnologia e da capacidade produtiva no sistema econômico mundial. Estas estruturas foram, de algum modo, quebradas, ou, no mínimo, flexibilizadas, com o pêndulo da economia mundial se dirigindo para a nova onda liberal, a onda (neo)liberal dos anos 80 para cá, que resultou em imensos saltos de crescimento econômico, desenvolvimento produtivo e integração dos sistemas financeiros e produtivos mundiais, através da globalização. Mas, resultou também em grandes perdas para as massas populares, nas diversas nações mundo afora, de renda, relativa e até absoluta, e nos sistemas de proteção e promoção sociais. Agora, a concentração da riqueza, nesta onda neoliberal, chegou aos níveis de inviabilizar relativamente, a realização do próprio ciclo de desenvolvimento econômico capitalista, de produção e consumo de massas, e nos jogou nessa grande crise atual que já dura algo como 15 anos. A pobreza e a miséria, o desemprego e a falta de perspectivas, estão, como fantasmas, rondando todo o mundo ocidental agora, mesmo nos centros de poder mundial. Parte das sociedades responde com a ascensão da ideologia fascista, de culpabilização dos migrantes e da xenofobia, de criminalização dos mais atingidos pelas crises sociais e de promoção do conflito internacional e da guerra. No momento histórico atual nos encontramos em um ponto já bastante avançado dentro desta grande crise (neo)liberal do sistema econômico capitalista mundial, onde os níveis de estresse dentro das principais nações imperialistas do chamado Oeste Global estão próximo do insuportável para os seus padrões: recessões, descontrole do endividamento público, desindustrialização e sucateamento da infra-estrutura, empobrecimento e desalento; crises sanitárias; multidões de moradores de rua; crises de migrantes e xenofobia; tudo isto está presente, atualmente, no dia a dia tanto nos EUA quanto na Inglaterra e Europa nas últimas décadas. E, no plano internacional a perspectiva de guerras internacionais, muito maiores do que as que já estamos vendo, é, também, cada vez mais presente. A forma mais grotesca e extrema da ideologia liberal é o fascismo e a ideologia da guerra. E necessariamente, a crise liberal traz em seu bojo estes frutos podres de pura destrutividade e atraso. Portanto, tudo isto apenas se agravará enquanto a ideologia liberal conseguir impedir ou retardar o necessário movimento de novo avanço socializante no sistema capitalista mundial. A vitória sobre a ideologia e, sobretudo, sobre as práticas e instituições liberais no sistema econômico e social mundial é, portanto, agora, uma questão vital, ou existencial, para toda a civilização, dado o risco de destruição ilimitada, com grandes depressões e grandes guerras internacionais. Do mesmo modo, a perspectiva de uma grande crise ecológica, climática e de recursos naturais em geral, não pode ser enfrentada de fato dentro dos marcos (neo)liberais. Temos, portanto, que nos defrontar com estes desafios principais: 1. superar a grande crise econômica atual, através da melhora da distribuição das riquezas no interior das nações, sem o que os trilhões de dólares já injetados na economia, recursos para evitar o alastramento sistêmico da crise e as grandes depressões, não poderão jamais serem suficientes para dar início a novos ciclos de desenvolvimento sustentado. 2. evitar as grandes guerras, conquistando real avanço na garantia da paz mundial, ou no mínimo, a contenção das guerras aos níveis das últimas décadas. 3. evitar e minorar as grandes crises ecológicas. Nestes três aspectos, absolutamente vitais para a humanidade no presente, é fundamental a vitória sobre a ideologia e as práticas e instituições liberais e o avanço real da socialização das nossas sociedades nacionais, e do mundo como um todo, é o processo real pelo qual esta vitória ocorre, está ocorrendo e ocorrerá cada vez mais. A vitória econômica da China socialista dentro do sistema econômico capitalista mundial, justamente no período da onda (neo)liberal e da globalização econômica e financeira, tem muito a nos dizer sobre todas estas questões e as perspectivas atuais. Antes de qualquer indagação sobre a classificação da China como socialista, eu já estou respondendo: o controle estratégico e financeiro da economia capitalista, de mercado, da China está sob domínio do Estado e isto se mostrou de efetividade econômica muito superior aos países de economia liberal, de todo o mundo, nas últimas décadas. Para título de comparação, a produção industrial chinesa a 30 anos atrás era 10 vezes menor do que a norte americana e hoje é duas vezes maior. E esta não é uma exceção, ao contrário, esta mesma comparação pode ser feita quase com todos os países, que o avanço da economia chinesa, neste período, é muitas vezes maior. Isto indica, com muita segurança, a efetividade do controle e direcionamento central, estratégico e financeiro, da economia capitalista. Prova que a sociedade não precisa entregar completamente o poder de organização e direcionamento da economia aos capitalistas, ao “mercado”, para que tenhamos grande desenvolvimento econômico. Ao contrário, a experiência socialista chinesa indica que este poder realmente não pode estar nas mãos dos capitalistas, se queremos ter desenvolvimento sustentado de fato. Tanto do ponto de vista econômico quanto ecológico, o livre domínio econômico dos capitalistas, do mercado, é destrutivo demais e se mostra, com clareza já, na atualidade, como menos eficiente e seguro que o modelo socialista chinês. Também do ponto de vista do risco da guerra, a derrota da ideologia liberal, ou seja, o avanço socializando no mundo é absolutamente necessário. Como eu procurei sustentar acima, seja do ponto de vista político, seja econômico, a guerra se mostra um recurso extremo, porém necessário e defensável, dentro da realidade liberal. E, por isto, a guerra é vista como uma alternativa viável e razoável dentro da ideologia liberal e imperialista. Isto tem que estar muito claro nas nossas consciências. A barbárie assassina de milhões de vidas e a destruição massiva de recursos sociais estão dentro do modelo econômico e politico liberal e imperialista, como soluções extremas, mas, totalmente defensáveis, dentro deste modelo. Não podemos ter dúvida disto nunca. No limite, sob a ameça da inevitável perda da sua hegemonia econômica e do avanço, também necessário e historicamente inevitável, do socialismo, o império capitalista nunca hesitará em se apoiar no sistema da guerra e em fazer recurso à guerra como resposta racional. Por mais absurdo que seja, o sistema capitalista imperialista apoia-se, racional e estrategicamente, na guerra e sempre fará recurso a ela como forma de imposição de poder e de resolução de crises políticas e econômicas. O sistema da ONU foi, ao contrário, criado como um sistema de garantia e imposição da paz, percebida como valor superior, como realmente é, após o terror absolutamente e absurdamente destrutivo das grandes guerras do século passado. Mas, nasceu morto, era precoce demais, não havia ainda o desenvolvimento da integração produtiva capitalista e nem da socialização das sociedades, que são necessários para que um sistema de governança mundial, para a garantia da paz, realmente pudesse acontecer. Ou, que, realmente possa, por que ainda vai, acontecer. É verdade que foi a criação do Conselho de Segurança da ONU e a designação de 05 membros permanentes com poder de veto que decretaram a morte da ONU ao seu nascimento e é verdade também que não temos nenhum outro sistema para garantia da paz internacional. Ao contrário, o sistema capitalista imperialista se sustenta na guerra e recorre à guerra como forma legítima de imposição de poder e resolução de crises, sempre que necessário, ou adequado. Agora, exatamente agora, o porta-voz da OTAN manifesta sua alegria em comunicar que o gasto militar da aliança, dos países-membros da aliança, em 2024, será o maior da história. Isto quando estas economias estão realmente em crise já há muito tempo. Um absurdo, que custará caro para todo o mundo. E o mesmo porta-voz da OTAN manifesta também um grande orgulho de que a aliança tenha garantido a segurança dos seus membros desde a sua criação. Sim, é verdade, nenhum país-membro da OTAN teve seu território atacado. Mas a que custo? Em quantas guerras os membros da OTAN ou a própria OTAN estiveram diretamente envolvidos, desde então? Dezenas. Sem autorização da ONU, na maioria delas. Como diz o próprio porta-voz, neste período de 7 décadas, nenhum dos seus membros foi atacado, mas eles estiveram envolvidos em dezenas de guerras, quer dizer, então, que os membros da OTAN é que foram os agressores. E. em geral, esta é a verdade. O império se impõe, ainda, pela força terrorista da guerra, do seu poder destrutivo. Ou seja, os membros da OTAN garantiram a segurança e o bem-estar das populações dos seus países, nos seus territórios, pela imposição do terror da guerra mundo afora. Agora, exatamente agora, o presidente fantoche da Ucrânia corre para assinar mais acordos de financiamento militar com a Alemanha e a França, enquanto ele ainda tem algum poder para isto, diante da derrocada cada vez mais evidente da tentativa de resistência militar da Ucrânia, na guerra proxi da OTAN contra a Rússia. A derrota da Ucrânia no campo militar é evidente, mas, a França e a Alemanha vão injetar mais bilhões de Euros nesta guerra perdida, por quê? E os EUA devem fazer o mesmo, com mais dezenas de bilhões de dólares, mas, por quê? Ora, é claro, para a Ucrânia comprar armas deles mesmos e depois ainda pagar o empréstimo com juros. Por isto, e para desgastar, no que puderem, objetiva e moralmente, o poderio russo, a OTAN, o Oeste Global, quer lutar esta guerra proxi contra a Rússia, até o último soldado ucraniano, se estes não se rebelarem e acabarem com esta loucura antes disto. Toda esta análise se alinha, do ponto de vista estratégico, com a posição do presidente Lula, ao apontar insistentemente para a necessidade de reformar o Conselho de Segurança da ONU, ampliando os membros permanentes e, ainda mais, quando há um ou dois dias, em visita ao Egito, ele afirmou claramente que o sistema de vetos. Lula acerta em muito ao indicar este ponto estratégico fundamental, pois, realmente precisamos de uma governança mundial com o mandato e a força suficientes para reduzir os riscos de guerras internacionais, reduzindo sua frequência e intensidade. Um sistema de governança mundial para a garantia da paz internacional, justamente como foi projetado na Carta das Nações Unidas. A paz é realmente fundamental para a dignidade e o desenvolvimento humanos e ninguém razoável pode duvidar disto, ainda que os nossos sistemas sociais sejam, em grande medida, sistemas de violência e guerra. Agora, a defesa da paz e, no que conseguirmos, a conquista e a garantia da paz são, mesmo, fundamentais para a progressão civilizatória, com a nova onda socialista. A perpetuação do sistema de guerras e ameaças de guerra e, pior ainda, a emergência de grandes guerras mundiais, só pode interessar às forças, conservadoras e verdadeiramente regressivas, de manutenção do imperialismo capitalista liberal. Apenas as grandes guerras mundias e os cataclismos ecológicos, impondo grandes retrocessos a toda a humanidade, poderão atrasar o avanço da nova onda socializante que já está em curso. Ao mesmo tempo que apenas o avanço da nova onda socializante poderá nos livrar destes riscos maiores do capitalismo liberal, ou, pelo menos, mitigar os danos destes eventos, caso eles venham a ocorrer. A continuidade do predomínio ideológico (neo)liberal, ao contrário, só nos conduzirá mais rapidamente, mais diretamente e mais intensamente às grandes guerras e aos eventos ecológicos catastróficos. Apesar de muito correto em suas intenções, ou, dito de outro modo, ideologicamente, nem o Lula, e nem ninguém mais, tem os instrumentos, ou os recursos para conduzir a uma refundação da ONU, agora. E, certamente, o que ele está propondo, em especial a extinção do poder de veto, não será realizado nos próximos anos e, provavelmente, nem nas próximas décadas. Estamos, agora, sob um risco crescente de grandes guerras mundiais, com a formação de blocos antagônicos e com a crescente necessidade do bloco do Oeste Global de promover o conflito para a manutenção do seu poderio, dada a sua crescente perda de poder econômico relativo, em função sobretudo do avanço da China socialista. Isto põe uma ameaça existencial dupla para o imperialismo capitalista mundial atual: uma nova potência assume a hegemonia na economia mundial e não se trata de uma nova potência capitalista imperialista, como foram os EUA e a Alemanha no início do século passado, por exemplo, mas, trata-se de uma potência econômica socialista, o que ameaça não apenas o poder hegemônico do império do oeste global, mas também, ao mesmo tempo todo o sistema de poder capitalista liberal. É claro que o sistema já está reagindo e reagirá cada vez mais e com maior potencial agressivo, destrutivo, a uma ameaça existencial assim tão profunda. Não há, é óbvio, nenhum interesse dos EUA, da Inglaterra ou de Israel, por exemplo, em se submeterem a uma governança mundial qualquer. Isto terá que ser imposto a eles. Mas não através da guerra, que é o que eles, em seus delírios liberais imperialistas, mais podem desejar agora. Ainda que o Lula seja o cara, como disseram, é, principalmente na liderança chinesa onde podemos apoiar a nossa melhor expectativa de que transitaremos para além o império capitalista, sem maiores guerras e crises extremas, nas próximas décadas. A história nos dá respaldo para isto, pois a China buscou e busca os objetivos da Carta das Nações Unidas, muito mais do que qualquer outro país-membro permanente do Conselho de Segurança. Além disto, a história também nos dá algum respaldo para as nossas melhores expectativas porque as grandes guerras do século passado ainda não estão, completamente, apagadas na memória operacional das populações e lideranças das grandes nações do mundo. E, desta vez, talvez, por isto mesmo, a gente não tenha que passar, novamente, pelo horror destrutivo de guerras com dezenas ou centenas de milhões de mortos, apenas para podermos reconhecer, ao fim, mais uma vez, que as perspectivas de desenvolvimento, e até de subsistência, da humanidade estão atreladas à integração econômica e social mundial e ao (novo) processo de socialização do sistema, dentro dos países e no mundo em seu conjunto, com a melhor distribuição dos recursos sociais, com a melhor regulação e direcionamento da economia e com a melhor governança mundial e mais paz entre os povos.

sábado, 20 de janeiro de 2024

O SISTEMA DA GUERRA ÀS DROGAS: UM CÍRCULO VICIOSO DE MENTIRA E MORTE

Estamos em um momento de transição, de valores e institucional, sobre a questão da maconha no Brasil. Uma transição lenta e difícil, mas, apesar disto, uma transição em movimento e praticamente inevitável. No momento existem muita confusão, muita contradição e incerteza jurídica, mas, infelizmente, ainda imperam a violência, as prisões e a morte relacionadas à fracassada política antidrogas, que persiste aqui no nosso país. Nunca se pode esquecer que a política antidrogas é, na realidade, uma política de violência e controle social, travestida de defesa da segurança e da saúde pública. Na verdade, a guerra às drogas é uma parte fundamental da ideologia e práticas fascistas que sempre estiveram disseminadas e fortemente arraigadas na nossa sociedade. A ideologia que prevalece nesta política de guerra às drogas é que elas estão sempre associadas à criminalidade, à degradação social e à violência. E que elas devem ser proibidas e banidas da vida social porque sempre levariam à dependência, à degeneração moral e ao banditismo. Infelizmente, esta ideologia contém uma das piores profecias auto realizáveis da história. Se você segrega as pessoas, se você as discrimina, se você considera como algo perverso, doentio, imoral, proibido, ilegal e criminoso, aquilo que para elas é prazer ou prática social, é bastante razoável se esperar que muitas pessoas envolvidas com isto se tornem, justamente, aquilo que a sociedade imputa a elas. Não necessariamente em consequência das drogas. Existem níveis muito diferentes de risco psíquico e social nas mais diversas formas de uso das mais diversas drogas, mas, também, há aí toda uma imensa zona cinzenta em que conflitos interpessoais são resolvidos pela imputação de crime ou doença a quem se envolve com drogas. Antes mesmo de serem julgados, condenados ou presos por isto, mães e pais podem ser afastados de seus filhos, jovens podem ser retirados do seu convívio social, ter a liberdade restringida, serem submetidos à “contenção química”, pessoas podem perder seus empregos, serem excluídas da família etc., por conflitos os mais diversos, sob a acusação de envolvimento com drogas. Esta acusação é, hoje, na nossa sociedade, um dos principais recursos ideológicos de coação pessoal na nossa sociedade. Um recurso ideológico repressivo com forte consonância moral, religiosa, médica, policial, judicial e penal na nossa sociedade. Mas, de forma paradoxal, entre os maiores combatentes contra as drogas, sejam políticos, ou promotores e juízes, delegados e policiais, religiosos e influencers ou pais e mães de família respeitáveis, grande parte é drogada ou traficante; são, produtores, são vendedores e ou são usuários e dependentes das drogas, que eles dizem combater. Esta farsa é uma das faces mais perversas da guerra contra as drogas. Grande parte dos principais combatentes nesta guerra estão jogando nos dois lados, ganham dinheiro e sustentam a cadeia de produção e venda das drogas e, em público, são inflamados guerreiros da causa da proteção da família e da sociedade contra as drogas. Tudo hipocrisia e mentira. Tudo manipulação ideológica. O sistema é montado de tal modo que a violência seja sempre justificada contra certos grupos sociais. Ao passo que, na outra ponta, lucra-se muito com a criminalização das drogas. Os maiores combatentes contra as drogas estão com as mãos nos microfones que escandalizam, nas armas que matam, nas canetas que penalizam, mas estão com as mãos, também, na grana que as drogas geram. É simplesmente impossível haver crime organizado, como é o tráfico de drogas, sem a participação, sem o envolvimento direto, de parcelas significativas do aparato repressivo, das polícias, da justiça, dos políticos e do mundo religioso. Todos envolvidos e ganhando muita grana, mesmo, com as drogas proibidas. Aqueles que as combatem são também os que produzem, distribuem, lavam dinheiro e lucram com o tráfico. O sentido da criminalização e da guerra contra as drogas não pode ser, não é, portanto, a redução ou a eliminação das drogas. As mortes e as prisões de milhares, de milhões de jovens brasileiros, que se repete aqui, sem fim, todos os anos, é um ciclo necropolítico de destruição e autodestruição da nossa juventude, de destruição de potencialidades, de capacidades, de forças criativas e transformadoras. Feito pelo mesmo sistema que lucra com as drogas.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Sala de situação da virada 23/ 24

Sala de situação da virada 23/24 01/15 1. O sistema da guerra A situação global está ainda pior do que quando escrevi as salas de situação anteriores, recentemente. A guerra de Israel contra a Palestina irrompeu, enquanto a matança na Ucrânia continuou firme. Destruição e morte estúpidas, pura violência destrutiva e assassina, por puro ódio, por razões estratégicas, com todo tipo de justificativa, mas, sempre uma forma bárbara, destrutiva e assassina de resolver conflitos. No entanto, a guerra é aceita e propagada no sistema. O poder no sistema mundial, obviamente, se apoia, fortemente, na força militar. E não há nada mais adequado para o poder militar do que uma guerra, ou várias guerras. A guerra interessa a quem faz a guerra, quem financia, quem produz, todo o sistema de guerra, enfim, se mantém, tanto ideológica quanto economicamente, em função de existirem guerras. O sistema da guerra vive de guerras. De fato, mundo afora, os sistemas da guerra estão sendo reforçados, os seus orçamentos cresceram e as compras aumentaram com as novas guerras e com o aumento generalizado na percepção de risco de guerras. Isto é um resultado necessário das guerras e um impulsionador de mais guerras. O que é um ciclo virtuoso para os sistemas da guerra, é, sem qualquer dúvida, sob qualquer outro parâmetro, um ciclo de destruição e morte para a humanidade. Mas, como vencer estes ciclos destrutivos quando, na verdade, os grandes poderes da humanidade estão apoiados neles? A verdade é que nem aos grandes poderes interessa a guerra em toda a sua atrocidade possível. Ninguém realmente quer uma guerra entre grandes potências militares nucleares, muito menos com o uso das armas nucleares e muito menos ainda com um uso indiscriminado delas. O que interessa ao sistema de poderes vigente, ou aos poderes vigentes no sistema, é a guerra controlada e mais ou menos continuada, no mundo. Isso mantém o sistema da guerra e o poder baseado no terror, baseado no medo. A guerra controlada parece ser bem adequada para o sistema de poderes e para a forma de organização social e econômica da atualidade. Adequada aos governos e, até, às corporações. Ou pelo menos, bem tolerável para todos. Sala de situação da virada 23/24 02/15 2. A guerra como instrumento de política econômica liberal nas grandes crises econômicas A guerra não deixa de ser um instrumento de política econômica, sempre disponível quando a destruição é necessária para a própria estabilização e desenvolvimento da economia capitalista. E quando isto é necessário? Nos extremos das grandes crises econômicas, quando o seu custo econômico e social se torna grande demais para ser realizado dentro das condições normais da vida social, então, as soluções politico sociais extremas, como as guerras, passam a ser mais interessantes, mais aceitas e necessárias para o sistema. Numa crise econômica de grandes proporções, há dificuldade estrutural de realização do capital, dos investimentos, as perdas se acumulam em certos pontos do sistema, em certos setores e áreas da economia, provavelmente, aquelas de menor eficiência, forçando o ciclo de grandes perdas financeiras, de quebras sistêmicas, de desemprego e empobrecimento em massa. E tudo isto só retroalimenta a própria crise. Antes da utilização sistemática de medidas econômicas anticíclicas, as grandes crises econômicas do sistema capitalista mundial contemporâneo tinham que se resolver apenas por este processo autofágico extremo, sem freios, nem contra-balanços, com resultados sociais caclísmicos, onde o fascismo e a guerra se tornam alternativas viáveis. Sala de situação da virada 23/24 03/15 3. Medidas anticíclicas e de proteção social contra a crise liberal Com a adoção de medidas econômicas anticíclicas e de proteção social, que se tornaram cada vez mais disseminadas e intensivamente mais aplicadas, no sistema capitalista mundial, desde a crise de 1929, conseguiram-se criar “air bags” e barras de proteção para o amortecimento dos grandes “crashs” do sistema financeiro e produtivo e dos seus efeitos sociais e econômicos, que, por sua vez, retroalimentam a crise. Essas medidas permitiram que o sistema convivesse com crises econômicas de grandes proporções, com custo social e econômico muito mais baixo do que as anteriores. E é por isto que elas se impuseram. Elas podem não resolver as crises, podem até fazer com que elas demorem mais tempo para se resolverem, mas reduzem muito o seu custo social-econômico. A partir dos anos finais da primeira década do século irrompeu uma grande crise econômica de proporções mundiais, que não se resolveu ainda, apesar de todas as medidas de proteção social e da inundação de recursos públicos, para reduzir ou reverter as fortes tendências recessivas e de quebradeira dentro do sistema. E de onde vêm estas tendências? Da forte e progressiva concentração de renda que aconteceu no interior dos mais diversos países, com raríssimas exceções, na onda neoliberal, a partir dis anos 80 do século passado, após a sequência de décadas de tendência inversa, socializante. A grande concentração da riqueza da onda neoliberal é um elemento fundamental e uma causa direta da grande crise econômica atual, com a dificuldade sistêmica de realização do capital, dos investimentos, dos empreendimentos. A reversão desta tendência de concentração de riqueza se obtém com o aumento da renda do trabalho e de recursos de proteção e promoção social, em benefício das populações mais pobres e excluídas, proporcionalmente maior que qualquer aumento em lucros e renda financeira. É a resposta historicamente desenvolvida, social-democrata, ou, socialista, com redistribuição de riqueza e poder e avanços em proteção social e mecanismos de controle público sobre o mercado. Isto é, justamente, o oposto das tendências recessivas da concentração de renda da onda liberal. Sala de situação da virada 23/24 04/15 4. Fascismo e guerras são as respostas finais, no beco sem saída da crise liberal É muito difícil, no entanto, superar a visão e os interesses imediatos, de cada capitalista e da classe dos capitalistas como um todo, de lucrar sempre e o máximo possível. Isto é, obviamente, uma condição essencial ao sistema capitalista e, como tal, revalorizada nesta onda neoliberal, que foi tão bem sucedida, por um bom tempo. Agora, ela tenta continuar se impondo de qualquer jeito e é natural que busque até o fascismo e a guerra como alternativas viáveis, para não abrir mão de poder e riqueza, em favor de uma melhor distribuição social da riqueza e de uma economia mais equilibrada e com menos crises de grandes proporções. A própria crise econômica liberal impõe a necessidade de respostas não liberais, de respostas sociais democratas, ou, se você quiser, de respostas socialistas. Mas. é claro que a doutrina e o poder das estruturas de mercado vão continuar tentando se impor contra qualquer limite. A concentração de riquezas e o acúmulo de poder não é, obviamente, algo que se disponha a entregar facilmente. Ao contrário, todos tentam se manter no poder e concentrar ainda mais poder; Por isto mesmo não é de se estranhar que parte deles regridam ao fascismo e à guerra como opções viáveis, diante de ameaças sistêmicas, políticas e econômicas, ainda maiores, como o socialismo. Sala de situação da virada 23/24 05/15 5. As respostas liberais não podem ser uma solucao para a crise, porque elas são sua causa Mas, as respostas liberais e, portanto, também as respostas fascistas, que terminam se unindo, como vimos aqui no Brasil, não são, não podem ser, adequadas e suficientes para dar uma solução para a grande crise econômica capitalista. Ao contrário, elas tenderão, sempre, a aumentar a crise. Pois, a crise tem sua origem maior justamente na imensa concentração de riqueza e poder no extrato mais rico da população, que veio ocorrendo, de um modo geral, nos mais diversos países. A onda liberal concentra renda e poder nas mãos dos grandes capitalistas e aprofundar isto não pode ser a solução, obviamente, da crise. Pelo receituário liberal, o mercado deveria continuar atuando sempre sem intervenções, com o mínimo de restrições legais e proteções aos trabalhadores e à população em geral. Mesmo que isto leve a uma tendência continuada de concentração de renda e poder nas mãos de pouquíssimas corporações sob controle privado. E mesmo que, ao fim, isto leve à invisbilidade de realização dos investimentos, quebra em massa de setores da economia mundial, sem proteção social para os perdedores neste jogo de vida ou morte e sem proteção sistêmica também para os crashs financeiros. Ora, isto é, de fato, impraticável hoje. A não ser que se conceba que a solução liberal ainda pode ser imposta na realidade e que não se deve estabelecer nenhuma medida anticíclica, nem de proteção social, nem econômica. Isto só seria possível com um custo econômico-social elevado demais. Certamente, por isto mesmo, essa não foi a resposta sistêmica à crise atual, em que estamos desde os fins da primeira década do século. Muito ao contrário. Não é possível, hoje, se manter a onda liberal, a agenda do pacto de Washington, como se dizia décadas atrás. A não ser através do fascismo e de guerras ampliadas. E mesmo assim não por muito tempo. Porque ela não dá uma resposta razoável para a grande crise econômica do sistema capitalista mundial. Ao contrário, a onda liberal é a causa desta crise e a manutenção da sua lógica apenas aprofundará ainda mais a crise. E é aí justamente que repousa o maior risco do fascismo e das guerras, que todos percebemos atualmente. É o beco sem saída ao qual a onda liberal atual (chamada de neoliberal) nos trouxe. Sala de situação da virada 23/24 06/15 6. A crise do final da onda (neo)liberal e o avanço do socialismo Estamos, é claro, num momento de agudo confronto entre a ideologia liberal que aparentemente prevaleceu, sem contraponto viável, desde os fins da década de 80 do século passado e a ideologia socialista, no que eu incluo a ideologia social-democrata (algo que já considerei brevemente em textos anteriores e que vou voltar a considerar em textos adiante). Estamos num momento agudo neste confronto, justamente porque a onda liberal atual (neoliberalismo) está em seu fim histórico e uma nova onda socialista / social-democrata se ergue, depois de um período de aparente derrota histórica completa. No entanto, a lógica, a ideologia, a ordem e a práxis socialistas é que são as vencedoras históricas e isto não parece ser evitável, ainda que, é claro, a ascensão do fascismo e as grandes guerras possam atrasar muito este processo histórico, como o fizeram no século passado. A imensa concentração de renda e poder nas mãos dos grandes capitalistas, que a onda liberal realiza, é a sua própria condenação a grandes crises econômicas sem solução dentro dos marcos do liberalismo, a não ser com altíssimo custo econômico-social. A experiência histórica e a teoria desenvolveram respostas a este dilema liberal. Respostas que, certamente, nos distanciam do capitalismo liberal e nos aproximam do modelo socialista. E não há nenhum país do mundo, nem instituição financeira ou econômica responsável, com poder real no cenário mundial, que não endosse a adoção destes instrumentos, ou, pelo menos, de uma parte deles, para proteger a economia e a sociedade e sair das grandes crises, com menor custo econômico e sofrimento social. Na hora da verdade, o sistema operou, mais uma vez, uma massiva intervenção do poder público nos mercados para a contenção e recuperação da crise. É natural que os capitalistas defendam a intervenção pública para a proteção do sistema financeiro ou da riqueza dos capitalistas, em geral, e se coloquem contrários ao aumento da renda do trabalho e dos recursos de proteção social. Mas, a crise não vai ser superada só com um destes dois lados das medidas anticíclicas. Somente a proteção dos mercados, sem a redistribuição de renda em favor das massas populares, não permitirá a emergência do novo ciclo mundial de desenvolvimento como aquele do período de 45-75. Ao contrário, uma resposta anticíclica neoliberal, mesmo mitigando a crise pela avalanche de recursos financeiros lançados em proteção e estímulo aos mercados, vai sempre manter a bomba da crise armada sob tensão crescente e explosões ocorrerão, certamente, até que o sentido da dinâmica econômico-social seja realmente modificado em favor das massas populares. O ganho de produtividade do trabalho social, do mesmo modo que o consumo popular crescente são componentes essenciais do ciclo, ou melhor dizendo, da espiral de desenvolvimento econômico. Assim como aconteceu no período de 45-75, ou talvez, até, de 30 a 75, do século passado, o próximo período histórico no sistema capitalista mundial será, e já é, de crescimento do predomínio do socialismo, da social-democracia, no mundo. Sala de situação da virada 23/24 07/15 7. A nova onda socialista versus a resistência neoliberal A nova onda socializante será, certamente, bem mais avançada do que a anterior, já que nem mesmo o recente período neoliberal conseguiu eliminar grande parte das conquistas sociais anteriores, seja em termos de gestão das crises econômicas e seja em termos da proteção social, que se disseminaram no século passado, principalmente no centro rico, mas também nas periferias médias e pobres. E também no tocante à integração mundial estamos agora muito mais avançados do que no fim da primeira metade do século passado, o que nos permite antever algo ainda muito maior a seguir, dentro da nova onda socializante. As condições e o aprendizado histórico nos permitem e nos impulsionam a ir bem mais adiante, agora. Mas, é preciso não confundir o que é a tendência histórica de médio prazo e o que são os movimentos históricos locais contemporâneos. Nós estamos em um momento, como eu dizia, de grande, de intenso, de agudo conflito ideológico e político, com a ascensão de uma extrema direita que defende, com unhas e dentes, a manutenção do status quo de poder vigente no mundo capitalista atual, sob o predomínio estratégico dos EUA, em que convergem o liberalismo econômico com o conservadorismo nacionalista, belicista, religioso, fascista, enfim. Não há dúvida que esta ideologia e estas correntes políticas ganharam grande projeção nas últimas décadas e nos últimos anos. Era mesmo de se esperar. Esta é uma resposta extrema do sistema capitalista, tentando impor sua lógica liberal mais básica e profunda, de qualquer modo, contra o fato histórico inegável que, hoje, esta ideologia é fator central na manutenção e aprofundamento da crise. Isso quer dizer que, apesar da tendência histórica, já presente, de crescimento do socialismo, nós estamos vendo, e vamos continuar vendo ainda, o crescimento localizado das forças fascistas e belicistas da extrema direita. Isto é, até cento ponto, inevitável também. E, com certeza, elas podem provocar turbulências ainda mais extremas no sistema mundial na atualidade, no futuro próximo. Mas, seja como for, com qual custo social a crise se realizar, se desenvolver, apenas um novo ciclo de ampliação de recursos, de poder de compra, de capacidade de agir e de interferir nos próprios destinos históricos, das grandes massas, pode fazer reverter a crise liberal. A crise produzida pela imensa concentração de rendas, e também de poder, nas mãos de poucos capitalistas, característica do fim de uma grande onda liberal dentro do sistema, só pode ser realmente revertida quando se conseguirem avançar decididamente os padrões de renda e consumo das massas populares, de modo a permitir um novo ciclo econômico com realização e valorização do capital, com recuperação e ampliação dos investimentos, sem maiores dificuldades. Isto é, na realidade, frontalmente contrário à lógica espontânea do mercado e, portanto, à ideologia liberal propriamente dita e só pode ser realmente realizado com novas vitórias ideológicas e políticas da social-democracia e do socialismo. E esta é a tendência principal do momento histórico atual. Mesmo que ainda estejamos no fim da onda liberal, inciada há 50 anos, e, portanto, no início da nova grande onda socializante, eu entendo que esta já é a tendência predominante no atual momento histórico e que ela é, de fato, muito difícil, ou, virtualmente, impossível de ser evitada. O neoliberalismo e o neofascismo são condições ou elementos do sistema, neste momento, coerentes com o imperialismo norte-americano e do chamado oeste global, isto é, dos países ricos e centrais no sistema capitalista mundial contemporâneo. Ao contrário de serem completamente derrotados, portanto. Ainda veremos, é claro, vitórias ideológicas, políticas, institucionais, econômicas e sociais do liberalismo e do fascismo no mundo. Mas, o que eu estou dizendo, insistentemente é que elas não prevalecerão. Não passarão, como diz a palavra de ordem da esquerda antifascista. Não passarão e não poderão passar porque eles não podem resolver a crise mundial do sistema em que estamos agora. Apenas a nova onda socializante permitirá a ruptura do ciclo de concentração de riquezas e crises de realização do capital. E ela já está em curso. Sala de situação da virada 23/24 08/15 8. O liberalismo contra as forças históricas de integração mundial e desenvolvimento É muito sintomático que a globalização tenha sido a bandeira neoliberal, por excelência, e que ela se tornou um anátema para os liberais. Agora são eles, e não os socialistas ou os sociais-democratas, que estão tentando barrar o movimento histórico de globalização econômica e social, são eles que estão regredindo para a imposição de barreiras comerciais, para a dissociação tecnológica e industrial das economias, das nações, em blocos antagônicos. São eles que estão inflando os nacionalismos e a xenofobia, as ameaças e os conflitos militares. Mas, a força motora da economia é grande o suficiente para tornar extremamente difícil, ou, realmente, impossível, de ser barrada. O movimento de integração tecnológica e produtiva, em escala mundial, não irá parar. A força de desenvolvimento e integração da produção e da tecnologia, em escala mundial, é um recurso de eficiência e ampliação de produtividade no sistema, em grande escala. Por isto mesmo, dificilmente regrediremos das conquistas da globalização neoliberal ainda que elas estejam sofrendo alguns reveses agora, sobretudo pela ação estratégica da potência que está perdendo o seu posto imperialista no sistema mundial: os EUA e ainda que, hoje, haja todo este esforço estratégico do liberalismo para conter a globalização, em todas as suas dimensões: econômica, tecnológica, política, institucional e até cultural. Os antigos centros do poder no sistema não querem abrir mão de sua dominância, mas hoje ela já não corresponde mais ao seu poder real e eles já estão, predominantemente, na condição de forças do atraso e da regressão no sistema. Não passarão. Mesmo que cheguemos a grandes guerras de destrutividade avassaladora, como foram as grandes guerras do século passado. o que ainda não está na ordem de possibilidades realistas, no presente, mesmo que cheguemos a isto, a solução, ao fim, também será, como foi no século passado, de mais socialização e mais globalização. Se tem algo que hoje a direita conservadora odeia em todo o mundo é o globalismo. Seja no sentido do sistema econômico mundial, da globalização, por integração comercial, tecnológica e produtiva em escala mundial. Seja no sentido da globalização institucional e política, através da ascensão de instituições transnacionais de tomada de decisão e normatização transnacional do sistema mundial. Seja no sentido da globalização cultural e de valores universais para o sistema mundial. Tudo isto soa, hoje, aos movimentos de direita, como o maior veneno contra os seus valores, a sua liberdade, o seu poder, a sua riqueza. E, talvez, no fim, eles tenham mesmo razão. Toda pessoa, que tem mais do que dois neurônios e entende um mínimo de economia e sociedade no mundo contemporâneo, tem que ter certeza que são necessários, justamente, novos e decisivos avanços no globalismo, na globalização, na integração mundial. É óbvio que o patamar atual de integração da economia mundial não deve ser revertido, nem no sentido do “decoupling”, da dissociação das cadeias de produção, nem no sentido das guerras comerciais e de embargo econômico, nem no sentido das guerras militares. É óbvio, para todos que se interessam pelo bem humano, que devemos prosseguir a integração científica, tecnológica, produtiva, comercial e financeira que foi importante recurso para o desenvolvimento mundial nas décadas finais do século passado e no início do presente século. Essa necessidade econômica e social terminará por se impor, mesmo contra todos os movimentos ideológicos, políticos e econômicos contrários, que hoje se manifestam nos grandes centros de poder do sistema capitalista mundial. Aqueles mesmos que, na década de 80 do século passado e nos anos seguintes, foram os maiores defensores da globalização. Sala de situação da virada 23/24 09/15 9. A ascensão da China e o declínio dos EUA no curso da onda neoliberal Outro paradoxo muito interessante e decisivo, da atual onda liberal capitalista, é que ela é também o período da impressionante ascensão, continuada, da China socialista, de sua economia e sociedade. Isto criou a situação, única na história, em que a principal potência emergente é um país, é uma economia, socialista. Isto nunca tinha acontecido. A União soviética, com todo o seu crescimento acelerado nas décadas de 30 a 60 ou 70, não conseguiram se tornar uma força emergente capaz de disputar a hegemonia econômica dos EUA. De fato, o domínio dos EUA jamais pareceu tão comprometido como agora. Os dados já mostram o ascenso da China ao primeiro posto mundial em termos de produção cientifica, em termos de patentes tecnológicas, em termos de comércio mundial, em termos de projetos de desenvolvimento transnacionais. Em tudo isto a China já se tornou a primeiro país e a primeira economia do mundo. Já ultrapassou os EUA nestes e em vários outros parâmetros econômicos, e até sociais, e segue avançando. Chegamos a um ponto em que o domínio econômico e geopolítico norte-amercano está sendo contestado de modo muito mais incisivo e decisivo do que foi possível com a URSS. Isto é inquestionável. A China é a maior potência emergente neste novo momento histórico e tudo indica que está fadada a superar os EUA em termos de influência objetiva e, com certeza, também subjetivamente, cultural e ideologicamente. Sala de situação da virada 23/24 10/15 10.O declínio do predomínio militar do Oeste global e a derrota na guerra da Ucrânia. Os EUA necessitarão cada vez mais do seu poderio militar para se impor, ainda, no cenário geopolítico e econômico, mais ainda do que sempre necessitaram, agora que o seu poderio científico, tecnológico e produtivo declinou sensivelmente, em comparação ao resto do mundo. O risco de guerra é alto por isto e por causa da crise econômica que ainda estamos vivendo no sistema capitalista mundial. E a guerra é sempre uma solução possível e até interessante para o sistema capitalista, em grandes crises econômicas. Mas, agora, está ficando cada vez mais claro que a própria realidade militar do mundo mudou também, já, de modo incontestável, e sempre no sentido da perda do predomínio dos EUA e seus aliados imediatos. Já não há muita dúvida que a Ucrânia não poderá suplantar o poderio militar russo. Coisa que para mim sempre foi evidente. Mas, cada dia fica mais inegável. Veremos, mas tudo indica que a Ucrânia jamais recuperará os territórios perdidos, a não ser em acordo com a Rússia, e, neste caso, jamais entrará para a OTAN. Os dados do teatro das ações militares, onde ocorre a destruição e a mortalidade, absurdas e sem qualquer sentido, dão conta que a Rússia é a vencedora desta guerra e a Ucrânia e a Europa os maiores perdedores, com as economias jogadas na areia movediça e as sociedades em crise. Contudo, foram justamente os EUA e a Europa que jogaram a Ucrânia na guerra. Interessava a eles do prisma geopolítico, e, nunca podemos nos esquecer, a guerra é sempre uma resposta possível para crises econômicas extremas, dentro do sistema capitalista. Os EUA ganharam e perderam e é difícil saber se ganharam mais do que perderam. Venderam mais gás caro para a Europa e armas para a Ucrânia, mas deram grana pros corruptos ucranianos queimarem, e, ao fim, perdem autoridade, porque a derrota da Ucrânia também é uma derrota dos EUA. Mas. se eles não saírem logo desta guerra, os seus custos vão ficando pesados demais, para os EUA e para a Europa, que, de todo modo, já estão em dificuldades econômicas e sociais muito grandes agora. Assim como foi a grande vencedora no desafio da pandemia, a China tende a ser a grande vencedora agora, com a derrota da Ucrânia. Mas, a China será a grande vencedora da guerra, seja qual for a sua resolução, sem dar um tiro, nem vender um míssel. E por isto mesmo. De fato, a China já é vitoriosa porque a economia chinesa sofreu menos do que aquelas mais diretamente envolvidas na guerra e segue com um crescimento econômico consistentemente superior àquele dos EUA e, mais ainda, da Inglaterra e da UE. Não há dúvidas que o poderio econômico da China está superando aquele das grandes potências ocidentais e, especificamente, aquele dos EUA. Já foi vitoriosa, até agora, porque se manteve firmemente em favor da paz e não se envolveu no conflito que, certamente, não era dela, assim como não era dos EUA. Sala de situação da virada 23/24 11/15 11. A (re)emergência do radicalismo de direita, do anarco liberalismo e do fascismo Uma das características do tempo presente é a exacerbação das posições liberais, neoliberais, chegando, enfim. ao predomínio dos extremos de uma propaganda anti sistema e de confronto com os limites da democracia e da institucionalidade constitucional. Ou seja, em uma palavra, fascistas. A reemergência do fascismo, disseminadamente, é realmente de se esperar quando chegamos aos limites de uma grande crise sistêmica do capitalismo liberal. E é justamente o que estamos vivendo agora. Não é de se estranhar que, nestas condições, a doutrina liberal, na obstinação de garantir os ganhos relativos dos ricos, isto é, a concentração de renda, que marca toda onda liberal, aprofunda sua aposta e, lançando mão de todos os recursos econômicos, normativos e políticos que se apresentam, sucessivamente se aproxima, se desenvolve e desemboca, enfim, em formas fascistas. Hoje, paradoxalmente, são os liberais que se mostram com as aparências de rebeldia contra o sistema e não exitam em testar todos os limites constitucionais e democráticos, ou romper diretamente com eles, para manter e até aprofundar a concentração de riqueza e poder nas mãos dos capitalistas. A primeira pergunta que se deve fazer é: como eles vão ser contra o sistema se o sistema é justamente estruturado em favor dos capitalistas? E a resposta deve ser: porque as coisas estão em transformação no mundo, verdadeiramente. O que surge na dimensão política e ideológica mais imediata como o conflito entre social democracia e socialismo, de um lado, versus capitalismo liberal e fascismo, do outro, no plano ideológico mais avançado, como perspectiva de futuro, como meta teleológica, surge como o conflito entre anarco-comunismo, de um lado, e anarco-capitalismo, do outro. Em termos ideológicos, o que se pode dizer que seja o ideal liberal, em seu conteúdo mais elevado, mais puro, ou essencial, de acordo com os seus princípios, é o que se expressa no anarco-capitalismo. É aí que o ideal de liberdade instituída pelo mercado se mostra mais puramente, mais precisamente, mais verdadeiramente. O anarco-capitalismo é, realmente, o que há de mais coerente, mais radical em relação aos próprios princípios, na ideologia liberal. E ele termina, necessariamente, em alguma forma de fascismo. Não é estranho, portanto, que uma figura como o novo presidente da Argentina surja no cenário político mundial atual. A ideologia anarco-liberal é uma forma extrema da ideologia liberal e, em geral, ou conceitualmente, apenas pode ser a ante-sala do fascismo. Seja por sua essência, seja pelas necessidades operacionais para sua implantação, o anarco-liberalismo deve terminar em fascismo, ou ser detido antes. E não é mesmo de se estranhar que surja na crise econômica extrema da onda (neo)liberal no sistema capitalista contemporâneo. Ao contrário, é realmente isto que se espera. Quase podemos dizer que a ideia básica do anarco-liberalismo é, simplesmente, aquela de dar mais poder, ou, liberdade, como eles gostam de dizer, aos capitalistas, ou seja, em todos os sentidos decisivos, dar mais poder aos poderosos do mercado. Isto significa a submissão de toda a sociedade aos poderes e à imposição do mercado capitalista, o direcionamento de toda a vida social, enfim, pelo mercado capitalista, sem as aparas ou regulações do estado de bem estar, da social democracia, do socialismo e, nem mesmo, da democracia liberal. O anarco-capitalista acredita que pode prescindir de tudo isto e que o livre exercício do mercado deve ser imposto em todas as dimensões da vida social. Sala de situação da virada 23/24 12/15 12. O anarco liberalismo é, ou será, necessariamente, uma forma de fascismo Conceitualmente, é óbvio que a extrema concentração de poder nas mãos dos endinheirados, sem qualquer restrição ou mediação pública, vai resultar no abuso e opressão igualmente extremos e que a liberdade de empreender vai se tornar liberdade de oprimir e explorar, sem limites, vai se tornar fascista, portanto. Não é difícil imaginar (ou constatar) o domínio de milícias a serviço dos capitalistas ou em acordo com eles, para a imposição do seu poder, sem qualquer contestação pública. Isto é anarco-capitalismo, em sua essência. Além disto, para operacionalizar estas loucuras liberais extremas, em uma sociedade contemporânea, será necessária a imposição de força, de um governo não constitucional, insurrecional, ditatorial, fascista, portanto. Como já mostram as primeiras medidas do novo governo da Argentina. Eu vou tratar deste tema do anarco-capitalismo versus anarco-comunismo em um texto específico, já que, como eu tenho dito, esta é a próxima questão ideológica, a questão de futuro, mais importante do sistema social mundial, da humanidade, na contemporaneidade. Por hora,, eu quero apenas destacar o caráter insurrecional ou subversivo que a direita tem assumido, ou tomado nas últimas décadas e, ainda mais nos últimos anos. Isto é compreensível, vamos repetir mais uma vez, pelo estado avançado da crise econômica mundial, marcando o fim completo da atual onda liberal. Dentro da lógica liberal, a grande crise econômica do sistema capitalista mundial só poderá ser revertida através do máximo aprofundamento da crise, até o momento catastrófico de grandes guerras mundiais e /ou outros eventos catastróficos, que realmente exerçam o papel de empobrecerem drasticamente as sociedades ao ponto delas aceitarem a regressão a condições de vida e trabalho características do surgimento do capitalismo, das economias escravistas, dos impérios coloniais e outras economias de acumulação baseadas na expropriação e exploração extremas e na violência correspondente. Mas, exceto em condições catastróficas muito maiores do que aquelas da segunda guerra mundial, nós jamais regrediremos ao capitalismo liberal e a toda a barbárie que ele representa. Ele ainda nos acossa, ele ainda nos agride, mas, você pode ter certeza que ele perde poder progressivamente, que ele está sendo suplantado, superado, substituído, por sistemas, modelos e recursos mais e mais socializantes. Sala de situação da virada 23/24 13/15 13. A tentativa de impor um choque liberal na Argentina Não é de se estranhar, por isto mesmo, que a ideologia liberal se apresente agora como insurrecional, como anti-sistema, como rebelde. Quanto ela apenas pode ser muito reacionária. E na medida em que o movimento histórico tem o sentido que eu entendo que tem, o sentido socializante, cada vez mais reacionária. A ideologia anarco-capitalista, que se pinta como o mais novo, é sempre o mais velho. Mas não é por isto que ela não pode ser utilizada como instrumento de choque em uma sociedade capitalista qualquer. O choque liberal, se for realmente implantado, pode, como outros modelos sociais extremos, funcionar, em algum momento, anos a frente. Mas a que custo? Não consigo nem divisar e não creio que isto tem sustentabilidade social em lugar algum do mundo contemporâneo, nem na Argentina. A crise será grande demais. E o caos também. Por um tempo suficientemente longo para inviabilizar o governo, caso ele não se converta em um governo de exceção, uma ditadura mesmo. Não me parece que isto seja viável agora. Um impasse se desenha, portanto. Os extremistas de direita, os malucos anarco-liberais, e os donos do poder econômico ganharam as eleições na Argentina, mas não podem impor suas medidas delirantes. Se o fizerem levarão a sociedade Argentina a uma crise muito violenta. O parlamento da Argentina não pode permitir isto. Mas, ao fazê-lo, inviabilizará o governo dos liberais delirantes. Agora, vamos ver o que virá. Mas, não podemos nunca nos esquecermos onde isto está ocorrendo. Na Argentina, cuja economia representa 0,5% do PIB mundial e cuja capacidade militar foi testada e comprovada na guerra das Malvinas. Enfim, que não representa risco sistêmico quase nenhum para o mundo atualmente. Ali pode bem ser um bom balão de ensaio de uma tentativa de regressão liberal, de imposição regressiva da economia liberal do século XIX e das primeiras décadas do século XX à sociedade atual, que se desenha pra todo lado, na ideologia de extrema direita atual. Enfim, o que acontece na Argentina, hoje, não tem grande peso no mundo e pode-se tentar qualquer coisa lá, inclusive com a imposição de empobrecimento em massa e caos social. Veremos, mas, de todo modo, não acredito que conseguirão levar isto adiante. Se o fizerem será a um custo social extremo e dentro de um regime de exceção, de uma ditadura aberta. Sala de situação da virada 23/24 14/15 14. A guerra de Israel contra a Palestina e a necessidade de uma nova governança mundial Até aqui não tratei ainda da questão da guerra de Israel contra a Palestina. Não vejo, por triste e desesperadora que seja a situação atual dos palestinianos, não vejo perspectivas melhores. Estão sendo dizimados e obrigados a migrar e não parece haver, em todo o mundo, força e disposição para barrar isto. Enfim, é mais uma limpeza étnica que a humanidade, que o sistema social mundial, produz, ou, vê ocorrer e não pode evitar. Dentre todas as obviedades e truísmos que se deve falar, em termos de geopolítica, o mais importante e necessário é que precisamos, cada vez mais, de uma melhor governança global. Com toda certeza as instituições e os instrumentos do século passado não são mais capazes de lidar com uma dinâmica global que cresceu, em tantas dimensões, ao nível exponencial nas últimas décadas e que agora enfrenta uma longa crise sistêmica. Todo o sistema das Nações Unidas e das instituições associadas ou derivadas, que hoje compõem um arremedo de governança global, está ultrapassado e não dá conta dos desafios globais para nada, nem para lidar com epidemias, nem com a economia ou com as crises humanitárias e as guerras. É claro também que a grande crise sistêmica, em que estamos metidos há mais de uma década já, põe uma grande imensa e fragiliza ao extremo as estruturas já muito frágeis e impotentes do sistema de governança global atual. Como tenho insistido, a crise atual vem desde os fins da primeira década deste século e, como se trara de uma crise do fim da onda liberal, que vigorou desde os fins da década de 70 do século passado, é mesmo de se esperar que no seu curso surjam e se acentuem as forças do extremismo liberal e do fascismo, o que termina sendo, no fim, na realidade, a mesma coisa, como procurei mostrar acima. E, obviamente, o risco de guerras de maiores proporções cresce também, perigosamente. Não é de se estranhar que sejam os liberais e os fascistas que se manifestam hoje mais aberta e decididamente contra as instituições e instrumentos de governança global ou mesmo regional. As forças liberais, que no início da onda neoliberal foram os propulsores ideológicos da globalização, se tornaram anti-globalistas e regrediram às ideologias fascistas do nacionalismo e do conservadorismo. Com certeza nem todo nacionalismo e nem todo conservadorismo são fascistas, mas, todo fascismo é nacionalista e conservador. E, realmente ninguém pode ter dúvidas do caráter regressivo do liberalismo atual. Não se trata apenas da defesa da liberdade de exploração e abuso do capital, não, agora, os liberais são francamente contra o globalismo, ao contrario, se mostram cada vez mais nacionalistas, xenofóbicos, conservadores, militaristas e religiosos. Tudo isto é compatível com a situação de crie final da onda liberal atual. Sala de situação da virada 23/24 15/15 15. O risco crescente das guerras com o liberalismo versus a nova onda socialista O risco de grandes guerras, a doutrina de guerra comercial, industrial, estratégica e militar necessariamente crescem, tomam uma dimensão maior e mais fundamental no sistema capitalista no curso destas grandes crises econômicas, especialmente, ou, talvez, especificamente na crise final da onda liberal. Neste caso, as forças liberais necessariamente se tornam regressivas em relação ao desenvolvimento do sistema mundial. Esta grande crise econômica, que não encontra solução fácil nem rápida, força o sistema de poder capitalista à tomada de decisões progressivamente mais drásticas e, enfim, realmente desesperadas, na tentativa de manter a onda liberal ou, em uma frase, na tentativa de manter a grande concentração de renda obtida no curso da própria onda liberal, E, enfim, a própria guerra surge como uma alternativa razoável para a realização de uma grande queima de capital, desemprego e barateamento da força de trabalho, ou seja, empobrecimento em massa, que são as respostas liberais tradicionais à crise. Como eles mesmo dizem, é preciso piorar para melhorar. E nada melhor para piorar do que a guerra. A possibilidade de superarmos esta crise, evitando e reduzindo os danos das ameaças cataclísmicas simultâneas de grandes guerras e grandes crises ecológicas e climáticas mundiais, depende do avanço socialista no sistema capitalista mundial. E isto já está em curso. Este avanço socializante necessariamente se dará como novos ganhos de renda e de recursos para as massas trabalhadoras em todo o mundo, com uma nova onda de redistribuição de renda e poder nos diversos países e, ao mesmo tempo, com o avanço na globalização econômica e no desenvolvimento, ou na criação de um novo sistema de governança política e econômica global. É óbvio que temos a oportunidade disto ocorrer, em grande parte, ou, até, no essencial, atrelada ao fato histórico único de que a grande potência econômica emergente, em contraposição ao império decadente dos EUA, a China, não é uma nova potência imperialista, mas sim, uma potência socialista. Até agora, de fato, a China tem se mantido firmemente e consistentemente em favor do avanço da globalização econômica e das cadeias econômicas globais, contra as guerras comerciais, contra a dissociação das cadeias de produção globais; a favor da revitalização e recriação de instituições de arbitragem, regulação e governança globais; a favor do multilateralismo, das relações internacionais de ganho mútuo e a favor da paz. Nos próximos anos e décadas as tensões que foram delineadas nesta sala de situação irão se exacerbar e realmente dependeremos muito da continuidade das posições acertadas e do poder de atração da China socialista. Não que ela se coloque como liderança impositiva, mas justamente, ao contrário, como tem se portado nas últimas décadas, como o grande parceiro para o desenvolvimento multilateral, global. Isto poderá nos permitir o caminho da paz, que é tão fundamental agora, o caminho da continuidade e aprofundamento da integração global da humanidade, que seria impossível de fato, se a grande potência ascendente fosse, de novo, um Estado imperialista.

sábado, 18 de novembro de 2023

A Questão do Fascismo no sistema social mundial contemporâneo e, em especial, no Brasil

Ao indicar quais seriam as grandes questões ideológicas do nosso tempo, eu afirmei que uma delas é a oposição entre capitalismo liberal e fascismo, por um lado, e social-democracia e socialismo, por outro. Em vários textos anteriores me concentrei na análise da contraposição entre o capitalismo liberal e o socialismo, na dinâmica histórica mundial atual, ou, no sistema mundial contemporâneo. No presente texto vou me dedicar à análise da questão do fascismo dentro desta mesma perspectiva, ou seja, na perspectiva da dinâmica histórica do sistema social mundial contemporâneo. 1. Fascismo Político x Fascismo Social Entre aqueles países que detêm a maior parte da riqueza e do poder no sistema capitalista mundial, na Europa, nos EUA e em alguns outros pontos do planeta, é certo, ao menos em parte, falar que o fascismo é uma ameaça ocasional ou episódica, rara e improvável. E até pode ser aceitável dizer que se trata de um fenômeno político, em sua essência. Mas, para nós, aqui no Brasil e no mundo dos países pós coloniais, secundários e terciários no sistema de poder capitalista mundial atual, a situação é diferente. O fascismo é mais presente grande parte do tempo, ou, é dominante o tempo todo. Como dizia um rapper, “democracia na favela é prejuízo, aqui manda quem pode e obedece quem tem juízo”. O que nas sociedades, ou, nas camadas sociais, que concentram poder e riqueza no sistema mundial é raro, improvável, ou, oculto, do outro lado, nas periferias das sociedades pós-coloniais, parece sempre ser uma possibilidade muito mais real e uma realidade muito mais brutal Aqui temos níveis de opressão violenta cotidiana que os países do centro de poder mundial já superaram. Isto faz de nós uma nação estúpida, repousando na violência constante. Nós somos fascistas no nosso dia a dia. É uma inferioridade e uma opressão, constantes, que atingem, muito desigualmente, a todos nós, como povo e como pessoas. Você pode e deve, com toda razão, dizer que os negros nos EUA sofrem uma violência social extrema, completamente inaceitável e absurda. Mas você tem que reconhecer que no Brasil isso consegue ser ainda pior. Porque a miséria e a degradação social impostas à população de cor preta aqui no Brasil conseguem ser ainda muito maiores do que nos EUA. Para registro acaba de sair estudo mostrando que a polícia mata uma pessoa negra a cada 4 horas aqui no Brasil. E a gente é pior também com relação à opressão e violência contra mulheres, contra homossexuais, usuários de drogas, pobres etc. De um modo geral, em termos de opressão e exploração, aqui é tudo pior e mais violento quando estabelecemos como comparação as populações mais ricas e poderosas do mundo. E se trata, de muitos modos, de violência institucionalizada, violência aceita, organizada e imposta, mais ou menos direta e explicitamente, pelo próprio poder público. Aqui o fascismo é mais presente e mais explícito no cotidiano. Aqui há uma violência social brutal e aterrorizante, cotidiana e institucionalizada, que é, realmente, fascista. O que é aceitável aqui, certamente não seria nos locais centrais do sistema capitalista. O que, para os centros de poder do sistema, é anatemizado como inaceitável violência fascista, aqui é cotidiano e normalizado. Assassinatos sistemáticos pelo poder policial e forças paramilitares, tortura sistemática dentro do sistema policial e prisional, abuso de poder e violência do aparato judiciário e policial, contra os mesmos alvos, já vulnerabilizados e excluídos, de sempre. Tudo isto é fascismo. E aqui é normal. Até visto como desejável. Até elogiável. Igrejas, programas de TV, operações policiais e mandatos judiciais exalam, expressam e compõem uma ideologia de violência dentro e para além dos limites legais, contra os mesmos grupos-alvo bem conhecidos da nossa sociedade. E, por mais que contestem, é sempre ainda mais contra o pobre que esta estrutura se ergue em geral. É muito ruim para o gay e para o negro. Mas é muito pior se ele for pobre. É muito pior para índios, para mulheres, para trans, para drogados, para deficientes, para idosos, quando são pobres. A violência fascista no dia a dia do Brasil aparece, de forma realmente brutal, é contra o pobre. E isto é da natureza capitalista do fascismo, mesmo. Aqui no Brasil, como em geral, o fascismo é a imposição do poder do capital através do Estado, de forma brutal, explícita e para além dos limites estabelecidos pela democracia constitucional e pelos direitos humanos O terrorismo de Estado é a arma e o recurso natural do fascismo e aqui ele é cotidiano. É certo dizer, em abstrato, que, onde quer que o fascismo se instaure, o poder dos dominantes se estabelece de forma mais brutal, através do terror, imposto sobre a população em geral, e sobre os grupos-alvo da dominação e do controle social, em especial. Desenvolver alguma forma, e os instrumentos. de imposição efetiva do poder dominante é uma condição essencial à existência de qualquer Estado. Mas, dentro da história do sistema capitalista mundial existe uma distinção específica para os estados e as sociedades realmente fascistas. E é justamente com base nesta distinção que eu digo que aqui vivemos um fascismo cotidiano, que nos acompanha desde a nossa origem histórica, como país, e continua no presente. Vamos fazer o que com a violência absurda da nossa vida social? Vamos ignorar o nosso fascismo cotidiano? Tem gente que considera que o fascismo é um fenômeno apenas político: a regressão a uma forma política ditatorial não democrática, imperial, de poder autocrático e discricionário, essencialmente não constitucional, com forte apelo emocional conservador e de mobilização de massas. Mas, eu aprendi que não existe fenômeno político realmente importante sem enraizamento em uma estrutura social e que, no entanto, diferentes modelos políticos podem ser adequados para uma mesma estrutura social. De fato, podemos ter fascismo político dentro da economia capitalista liberal e também fascismo disseminado na sociedade, na vida social, até mesmo dentro de modelos políticos democráticos. E é esta a condição do mundo de periferia do capitalismo, em geral, aqui na América do Sul, por exemplo, aqui no Brasil. Aqui a vida social é fascista, sempre foi e continua a ser fascista, mesmo em momentos democráticos. Os níveis de violência social aqui não são compatíveis com os limites estabelecidos num Estado democrático de direito e nem pelos direitos humanos da ONU. Por estes parâmetros, os níveis de violência contra os grupos sociais excluídos e oprimidos, a violência econômica, policial, jurídica, a violência institucional e disseminada na sociedade brasileira, por exemplo, sempre estiveram em níveis inaceitáveis. Aqui o abuso e a violência, dentro e fora dos limites legais, continuam sempre muito presentes nas práticas institucionais e sociais. Mesmo nos nossos momentos democráticos. Portanto, podemos dizer que somos, sempre, fascistas. A nossa estrutura social, as nossas instituições de poder, a nossa justiça e a nossa polícia, por exemplo, tudo isto é muito fascista. Tudo isto opera no marco do abuso e da violência institucional contra os grupos sociais mais vulneráveis e marginalizados. O terrorismo de Estado aqui é realmente a prática cotidiana. A tortura, a execução sumária, a violência sem limites legais, são correntes na nossa estrutura de poder social. É fascismo mesmo. E não é de se estranhar que seja racista, misógino, homofóbico e, sobretudo, de opressão dos pobres. A imposição violenta, terrorista, da exclusão social extrema sempre marcou a nossa sociedade, em toda a nossa história, e continua assim até hoje. Aqui, a vitória política sobre o fascismo, como esta ocorrida na última eleição presidencial, é sempre parcial, incompleta e insegura. Porque o fascismo está muito impregnado em nossa estrutura de poder social. Mesmo nos nossos melhores momentos democráticos. A forma política do fascismo sempre nos espreita, porque ele está arraigado na nossa cultura, na nossa realidade histórica e é uma demanda periódica da estrutura econômica da nossa sociedade, simplesmente para manter os níveis de desigualdade, de concentração e abuso de poder que a atravessam, como uma espinha dorsal. Aqui a violência abusiva, ilegal e terrorista, é aplicada pelo poder econômico e político como uma parte legítima da nossa cultura social, legal ou tacitamente legitimada pela sociedade. Nós somos assim, esse é o nosso jeito, é o que dizem os assassinos e abusadores fascistas de hoje e de sempre. E toda a estrutura social em que vivemos repousa nesse fascismo cotidiano. Sem isto não existiriam as favelas e as periferias miseráveis que temos. A pobreza aqui é imposta e silenciada assim, na bala e na porrada, desde sempre. E o nome disto, gostem ou não, é fascismo mesmo. Isto é o fascismo, essa forma regressiva extrema do capitalismo, quando ele nega todas as suas veleidades de respeito constitucional, de igualdade legal e de liberdade pessoal mesmo, para impor o domínio dos ricos e dos poderosos através da violência brutal, do terrorismo estatal. O fascismo realmente não é apenas um fenômeno politico. É, antes, um fenômeno social, como tudo o que tem relevância política. Nos países centrais do sistema capitalista mundial, o fascismo se apresentou como uma forma política regressiva extrema dentro do sistema capitalista mundial. Aí, em algumas nações específicas, o fascismo foi a resposta política mais extrema e absurda à necessidade de imposição do poder, em condições de crise econômico-social realmente extrema, quando a tendência de ciclo vicioso das grandes crises capitalistas não pode mais encontrar uma solução liberal e ao mesmo tempo democrática e sem guerras. O que, nos centros do capitalismo é uma possibilidade extrema e extremamente absurda de resposta política às grandes crises econômicas, aqui é a realidade razoavelmente constante e socialmente justificada. Talvez porque, para a massa da população, as condições de vida aqui sejam aquelas de uma crise econômica constante e contínua, de persistente alijamento dos frutos do desenvolvimento da riqueza social. 2. Fascismo de direita x fascismo de esquerda É claro e óbvio, por todas as evidências históricas, que o fascismo não pode ser considerado um fenômeno da esquerda, ou como eu prefiro dizer, em sentido historicamente mais significativo atualmente, um fenômeno do socialismo. Não, isto não é verdade. Historicamente o fascismo é um fenômeno extremo do capitalismo. Emerge em países centrais, mas secundários, do sistema capitalista colonialista mundial. E surge como um movimento de contraposição e combate direto e mortal ao comunismo e ao anarquismo. Mas, nem por isso se deve dizer que o socialismo seja incompatível com o fascismo. Isto seria demais. A história mostra que os países que tentaram o socialismo terminaram em Estados fortes e, eventualmente, abertamente fascistas. O que podemos, talvez, dizer com segurança é que o fascismo é menos provável no socialismo. É certo que o socialismo não garante o fim do fascismo, mas é mais seguro do que o capitalismo neste sentido. A pressão social para a opressão extrema, violenta, abusiva, que marca a forma política fascista, vem da exploração social extrema e da exclusão e do abuso de poder que a concentração ilimitada de riquezas traz. Isto é mantido por violência. Simples assim. E, quando as crises capitalistas se aprofundam. o fascismo retorna à pauta política no sistema, mais ou menos explicitamente. E pode realmente voltar a prevalecer até mesmo em algumas sociedades centrais do sistema capitalista mundial. Mas, o fascismo é um beco sem saída e, no limite, não interessa ao próprio sistema capitalista. Ao menos nos países centrais do sistema. Somente nas periferias é que ele é uma presença constante. Mesmo que não explícito na política, o fascismo é predominante em muito da nossa sociedade, o tempo todo. O socialismo, enquanto forma política, tem se caracterizado sobretudo pela doutrina do partido único, na via do socialismo revolucionário, ou, pela democracia formal e participativa, na via social-democrática. Mas, o socialismo, mais ainda que o fascismo, não pode ser entendido apenas ou essencialmente, como uma forma política. Assim como o capitalismo não é. É um modo de produção ou uma forma de sistema social. O socialismo é a forma de transição final do capitalismo. A forma de transição final e superação do modo de produção capitalista. E, como o capitalismo, o socialismo também pode conviver com diversas formas de poder político. O capitalismo não foi e não é avesso a ditaduras militares, teocracias, democracias formais, democracias participativas ou qualquer outra forma que você queira. O socialismo, por ser forma de transição final do capitalismo, não pode, por questão de simples realidade, tentar impor uma forma política única para todo o sistema econômico mundial. As mudanças no sistema estão e estarão em processo e as formas políticas de desenvolvimento do socialismo podem ser, são e serão, diversas também. O socialismo não pode pretender, e não vai pretender, isolar do sistema mundial as ditaduras religiosas, por exemplo, por mais fascistas que elas pareçam ser e realmente sejam. Do mesmo modo que o socialismo não pode e não deve pretender excluir o Brasil por ser um país fascista em várias dimensões da vida social e práticas institucionais. O socialismo, no entanto, como ideologia, não pode propor ou dar sustentação, jamais, a uma ditadura de uma casta, ou, de um grupo social, que, com o domínio concentrado da economia e da política, impõe, contra a vontade popular, a sua manutenção e perpetuação no poder. Para quem não conhece como é o sistema de tomada de decisão e controle social, nos países socialistas, e como é nos países capitalistas, parece, no entanto que a prática é justo o contrário. No raciocínio ingênuo e ideologicamente formatado pela visão liberal, a ideia singela de liberdade, no mercado capitalista, e de representatividade, na democracia política pluripartidária, é contraposta à dura realidade de locais que, em condições econômicas e sociais muito piores do que nos centros do capitalismo, desenvolveram ditaduras socialistas e deram em algumas formas de Estado fascista. Nós aqui, que temos fascismo cotidiano, sabemos como tem sido difícil para todos os países periféricos, pós coloniais, pobres ou em desenvolvimento. O suficiente para não podermos ser críticos demais às ditaduras fascistas socialistas, porque aqui sempre estamos numa porra de uma ditadura fascista capitalista. Mesmo nos nossos melhores momentos democráticos. Bom, agora, é claro que isto não é suficiente. Em que eu baseio minha avaliação que o socialismo nos protege do fascismo? O socialismo nos garante uma educação de base de qualidade mais universalizada do que o capitalismo. E eu posso apostar que isto é algum antídoto contra o fascismo, no longo prazo. Mas talvez não seja suficiente. Além disto, as guerras inter-imperialistas certamente não foram, até agora, guerras socialistas. Talvez estas guerras tenham realmente muito menos sentido ou realmente não tenham sentido algum num mundo socialista. O socialismo é intrinsecamente, por sua ideologia mesmo, internacionalista, ou, globalista e o fascismo dificilmente poderia existir sem o belicismo inter-imperialista e colonialista. Sobretudo, o fascismo se assenta em uma estrutura de classes capitalista, é um fenômeno característico dos momentos, ou condições, de crise extrema do sistema capitalista, definido pela abolição da democracia, com regressão ao poder autocrático, militar e belicista característico do período imperial da Europa, com a abolição também de direitos civis e sociais e a regressão à violência e ao terrorismo de Estado. O fascismo político Europeu foi, e é, forma extrema de solução politica da crise econômica capitalista quando atingiu os níveis mais extremados. É forma de imposição, com violência mais extrema e explícita, da estrutura social capitalista liberal nos extremos da crise econômica. Ou seja, é forma política de manutenção ou aumento da concentração das riquezas sociais em níveis econômicos extremos, em que ocorrem grandes dificuldades de realização do capital, dos investimentos, crises financeiras e de setores produtivos, desemprego e pobreza. Disto se alimentam a xenofobia, o nacionalismo, o belicismo e o totalitarismo. E o fascismo nasce, ou renasce. E. não podemos esquecer que, aquilo que é uma resposta política e social da crise extrema nos países centrais, é, aqui, a condição cotidiana de exploração e opressão sociais. Por lado, por sua ideologia e forma próprias, ou, no que é propriamente pertinente à sua estrutura social econômica, o socialismo não é fascista. Mas, então, porque vários, senão todos, os Estados revolucionários socialistas ou comunistas puderam ser considerados fascistas? Em primeiro lugar, mesmo os Estados revolucionários socialistas ou comunistas, que puderam ser caracterizados como fascistas, têm que ser computados dentro do sistema capitalista mundial. Porque as condições econômicas e geopolíticas em que eles se inseriam ou se inserem atualmente são, ainda, aquelas do sistema capitalista mundial contemporâneo. Em segundo lugar, existe um aspecto ideológico equivocado aí, ao se considerar que todo Estado que não seja uma democracia política é, necessariamente, fascista ou, de qualquer modo, totalitarista. Como eu tenho insistido, o fascismo não é apenas político, não é apenas uma negação ou substituição do estado democrático. Em comparação aos países centrais do imperialismo e, em alguns aspectos, podemos realmente considerar os países comunistas como fascistas. Mas, em comparação com o restante do mundo capitalista, então, temos que dizer, na verdade, que todos os países que não estão no centro de poder e riqueza imperialista são fascistas, constantemente ou na maior parte do tempo. Predomina o chamado “Estado de exceção”, exercendo violência ilimitada e discricionária e a supressão de liberdades e direitos fundamentais. A violência, originária e quase impossível de se disfarçar e controlar, da sociedade capitalista emerge em sua estupidez extrema no fascismo, como a resposta final aos desafios da realidade às pretensões liberais capitalistas. Aquilo que no socialismo se corrige com o controle público da direção estratégica e financeira da economia, no capitalismo liberal deve ser resolvido apenas pelo aprofundamento da crise aos extremos de empobrecimento e degradação social. Não há, de fato, limite econômico para nada disto na lógica do capitalismo liberal. No sistema capitalista mundial contemporâneo, a solução autoritária extrema está sempre presente nestes momentos de crise econômica. Esta é a razão pela qual vemos forças claramente xenofóbicas, nacionalistas e violentas emergirem no mundo atual no extremo liberal do espectro de política econômica. Esta extrema direita fascista é a resposta mais extrema e violenta que o liberalismo pode dar às grandes crises do sistema capitalista mundial. 3. A superação socialista do fascismo no mundo e no Brasil Nos países secundários do imperialismo capitalista, em que ele ocorreu, o fascismo tomou a forma diretamente regressiva de ditadura política e autoritarismo estatal, em relação à democracia, ou à social-democracia, que se desenvolviam em alguns centros de poder e riqueza do sistema capitalista mundial à época. Mas, também é certo que ele surgiu como uma resposta social extrema à crise econômica e ao aparente beco sem saída em que estes países se encontravam, dentro do conflito inter-imperialista de então. Não é mesmo possível separar a história deste fascismo das grandes guerras inter-imperialistas do século passado. Não, ao contrário, desde sua origem até o seu destino, o fascismo político europeu esteve completamente ligado a estas guerras. Aqui entre nós, nas periferias do sistema, àquela época e ainda hoje, a coisa é diferente. Aqui a crise econômica é, de certo modo, permanente. A pobreza, a miséria, a falta de recursos são constantes. E com isto, de algum modo, necessariamente, o fascismo também é constante, sempre presente no nosso cotidiano. Aqui a violência física social institucionalizada, ou, nas franjas da institucionalidade, é cotidiana nas áreas de conflitos sociais extremos que atravessam as nossas sociedades. As favelas, as aldeias, as vilas, as periferias de extrema pobreza, as ocupações irregulares, as condições de trabalho desumanas, as condições de moradia muito precárias, a falta de esgoto, de água, a falta dos recursos básicos, a falta de uma educação pública de qualidade, isso tudo é mantido, é contido, é organizado, aqui no Brasil, certamente, com altas doses de terrorismo social e de estado, com altas doses de violência legal ou ilegal da polícia e da justiça, por exemplo. Isto é constante entre nós. E mostra o fascismo nosso de todos os dias, desde sempre e até hoje. De tal modo que é até certo dizer, como disse um rapper, que aqui nós vivemos uma guerra civil constante, apenas não declarada. Para mim, portanto, também não é razoável conceber uma superação apenas política do fascismo. Não seria possível, na verdade, superar o fascismo, na Europa do século passado, sem a combinação do efeito econômico das grandes guerras e o desenvolvimento da social-democracia. As guerras extremas permitiram a queima de capital e pavimentaram a reestruturação das economias pós-crise e o desenvolvimento da social-democracia sustentou as condições sociais necessárias para o grande ciclo de desenvolvimento que ocorreu desde o pós-guerra. Somente assim o fascismo pôde ser derrotado lá. As conquistas da social-democracia, relativas à renda, às condições do trabalho e às condições básicas de vida, por exemplo, assim como em relação ao controle da violência Estatal, que, em escalas diferentes e com suas flutuações, se disseminaram em todo o centro de poder e riqueza do sistema capitalista mundial, tudo isto, aqui, no entanto, é protraído, é sempre faltante, incipiente ou corrupto e sempre insuficiente. Por isso mesmo o fascismo aqui nunca foi vencido realmente e sempre está presente, de diversos modos, em diversas dimensões da nossa vida social, das nossas relações sociais, das nossas instituições, da nossa cultura. Aqui, parece, muitas vezes, que nós estamos presos em uma danação histórica e somos sempre iguais, desde os tempos da colonização até agora. A violência, o roubo e o abuso, contra certos grupos sociais, étnicos e de gênero, a imposição do domínio pela força, o papel central da religião e das armas, na política e em toda a vida social, tudo isto, que é tão caro aos fascistas, em geral, aqui, é parte do nosso dia a dia, desde sempre. Apenas para registro do que estou dizendo, hoje é o dia 13/11/2023 uma segunda feira, e no fim de semana foram assassinados 05 pessoas nestas condições de conflito tão velhas aqui no nosso país: dois do movimento MST, em uma ocupação de terra, 01 indígena, em outra situação de conflito de terra, e mais dois outros militantes. E isto não é nenhuma novidade. E estes são apenas os mortos diretamente ligados a algum movimento social e notificados. A guerra civil não declarada realmente explode em diversas periferias do país, para todo lado, constantemente. Mas, de fato, a história não para e nós estamos inseridos no sistema econômico e social mundial que tem sido chacoalhado por movimentos realmente tectônicos nas últimas décadas. E é daí que tiro a previsão de que, no mundo em geral, estamos, novamente, vencendo o fascismo e o Brasil vem junto. Ainda que, justo agora, estejamos no meio de grandes batalhas contra fortes tendências regressivas, contrárias à integração mundial, belicistas e fascistas dentro do sistema, eu vejo, com certeza, que a tendência, o caminho histórico, o direcionamento real e profundo do sistema social mundial é socializante e de superação do fascismo. O fascismo é uma resposta de imposição do poder na sociedade capitalista, característica de condições de violência econômica e social extremas, como pode ocorrer, até mesmo em centros de riqueza e poder do sistema, no curso das grandes crises econômicas capitalistas. Parece-me realmente de se esperar que, no curso dessas grandes crises, o fascismo surja e ressurja, em novas roupagens, numa tentativa de imposição do poder e preservação dos ganhos capitalistas, para além de qualquer contestação política ou social, de forma totalitária e populista. Por contraditório que isto pareça, o fascismo é uma extensão extrema, ao absurdo, se você quiser, do liberalismo, da ética liberal. E é realmente o que aconteceu agora, novamente, quando atingimos um ponto avançado da crise econômica e social do sistema econômico mundial que vem se desdobrando desde a primeira da década deste século. É preciso entender que esta crise tem sido controlada e debelada por vários mecanismos e recursos anticíclicos e de proteção social, numa escala muitas vezes maior do que em qualquer outra crise anterior, mas, mesmo assim, ela se arrasta e se manifesta, de um modo ou de outro, em vários pontos do sistema, desde então. Eu considero que não será possível a resolução desta crise sem um novo desenvolvimento da social-democracia, ou do socialismo, no sistema capitalista mundial. Como ocorreu no século passado, sobretudo na segunda, desde o pós-guerra. E agora vamos ainda mais adiante, necessariamente, para podermos sair realmente da grande crise e dos verdadeiros becos sem saída econômica e social em que estamos metidos no mundo agora. O que, obviamente, não significa retroceder à social-democracia ou ao socialismo do pós-guerra do século passado. Mas, certamente, um novo grande avanço histórico no sentido socializante. Espero que cheguemos a isto sem a necessidade de passar por grandes guerras, como infelizmente ocorreu no século passado. E creio que chegaremos a isto sim, especialmente por causa do papel inovador da China socialista dentro do sistema mundial atual. Desta vez a principal potência emergente não é um país capitalista com novas pretensões imperialistas, como foram a Alemanha e os EUA. Este último, apesar dos disfarces. A China, por outro lado, é uma nação socialista, que se propõe à maior integração mundial, à construção de governanças mundiais reais, a acordos e investimentos econômicos de ganha-ganha, ao desenvolvimento com qualidade e à prosperidade para todos. E, seja como for, é inevitável o novo avanço da social-democracia, ou do socialismo, como queiram. A grande crise econômica mundial atual não terá resposta efetiva, a não ser de destrutividade realmente extrema, sem este novo avanço socializante dentro do sistema capitalista mundial. E ele já está em curso. Já se pode notar, por exemplo, e simbolicamente, que as ameaças fascistas no plano politico estão, no momento, em baixa, depois de terem ganhado grande projeção mundial nas últimas décadas. Creio que ninguém deve discordar que várias eleições recentes, aqui nas Américas e mundo afora, têm confirmado uma retomada das forças políticas mais à esquerda, com derrotas, ou contenção, pelo menos, das forças de extrema direita. Com certeza, foi emblemática a eleição recente à presidência do Brasil, com a vitória do Lula, a derrota do Bolsonaro e o fracasso das ridículas tentativas de golpe do seu grupo de poder; e, antes disto, a derrota do Trump e a, também ridícula, tentativa de golpe nos EUA; e agora, mais recentemente, os diversos golpes ou revoluções anticoloniais do centro/norte da África. Todos estes são, eu creio, momentos exemplares deste processo. Tudo isto está no contexto da resolução da crise econômica atual, no qual, é claro, a China cumpre hoje um papel mais fundamental do que qualquer outra nação cumpriu antes. Isto porque a China é o maior parceiro comercial e o maior investidor externo da grande maioria dos países e, ela própria, avançou muito e se direciona a avançar ainda mais no sentido socializante de prosperidade para todos os 1,4 bilhão de pessoas que lá vivem. A minha aposta então é que estamos, mais uma vez, vencendo o fascismo no cenário mundial e isto resultará em ganhos também aqui no Brasil, na medida que avançamos no sentido socializante, tanto no mundo em geral, quanto aqui no Brasil. Não tanto por nossas virtudes, nem por nossos defeitos, que seja, de modo predominante, mas sim pelo movimento histórico do sistema mundial. O movimento mundial é socializante. Estamos no começo do fim de onda de predomínio liberal e no início da ascensão de uma nova onda socializante. Neste momento não é de se estranhar que surjam, como uma verdadeira necessidade estrutural, as forças do fascismo e da guerra. O atual momento de predomínio liberal veio desde o começo da década de 80 do século passado e agora está chegando ao seu fim, sendo superado por um novo momento de predomínio socializante, social-democrata e socialista. Este movimento, em que a China cumpre hoje um papel absolutamente central, está sendo promovido pela grande crise econômica do capitalismo mundial em que nos encontramos desde o fim da primeira década deste século. A crise do sistema capitalista mundial e a ascensão da China, como um novo centro da economia global, têm mostrado ao mundo, novamente, os limites da estrutura e da resposta social às crises econômicas sob o capitalismo liberal e estão reforçando a escolha histórica pela resposta socializante, social-democrata ou socialista, às crises capitalistas. A redistribuição de renda, a maior proteção aos trabalhadores e a promoção social em geral, a integração mundial da economia e a proteção do meio ambiente, por exemplo, ganham, novamente, mais força ideológica e objetiva. E terminarão por se impor em um nível mais alto do que o atual, no próximo ciclo histórico socializante, que está se iniciando. Apenas grandes guerras mundiais podem atrasar este processo, que já está em movimento, mas, acredito que nem elas poderão impedir o seu desenvolvimento. É neste grande processo histórico que aposto as minhas fichas que nós, aqui no Brasil, também estamos entrando num grande ciclo histórico de melhora da qualidade de vida das massas populares, de desenvolvimento social, de desenvolvimento do nível educacional e tecnológico, de desenvolvimento da economia e de redução da violência e do abuso na nossa vida social cotidiana. Acredito que estamos entrando neste ciclo de avanço e superação de práticas e instituições fascistas dentro da nossa sociedade, porque estamos dentro deste processo mundial, deste novo ciclo de avanço mundial socializante, que está se iniciando agora, nos últimos anos, enfim. Grande parte da nossa condenação a um fascismo cotidiano “eterno” está certamente, na nossa condição, posição, ou inserção, como queiram, no sistema capitalista mundial, no sistema imperialista mundial, colonial e pós-colonial. É aí que somos condenados ao atraso e à pobreza. Nós e todas as outras nações do mesmo rank, ou ainda abaixo do nosso nível, no jogo econômico e de geopolítica mundial. Nós e os países mais pobres e atrasados ainda. Todos, até agora, com massas da população condenada a condições de vida e dignidade e expostos a níveis de violência e abuso que são inaceitáveis no mundo dos países centrais, ricos. A saída progressiva do mundo do sistema imperialista, pela nova onda socializante mundial, que está se iniciando, será também a nossa saída deste passado fascista, “eternamente presente”, de violência e abuso na estrutura da nossa vida social.