sábado, 20 de janeiro de 2024

O SISTEMA DA GUERRA ÀS DROGAS: UM CÍRCULO VICIOSO DE MENTIRA E MORTE

Estamos em um momento de transição, de valores e institucional, sobre a questão da maconha no Brasil. Uma transição lenta e difícil, mas, apesar disto, uma transição em movimento e praticamente inevitável. No momento existem muita confusão, muita contradição e incerteza jurídica, mas, infelizmente, ainda imperam a violência, as prisões e a morte relacionadas à fracassada política antidrogas, que persiste aqui no nosso país. Nunca se pode esquecer que a política antidrogas é, na realidade, uma política de violência e controle social, travestida de defesa da segurança e da saúde pública. Na verdade, a guerra às drogas é uma parte fundamental da ideologia e práticas fascistas que sempre estiveram disseminadas e fortemente arraigadas na nossa sociedade. A ideologia que prevalece nesta política de guerra às drogas é que elas estão sempre associadas à criminalidade, à degradação social e à violência. E que elas devem ser proibidas e banidas da vida social porque sempre levariam à dependência, à degeneração moral e ao banditismo. Infelizmente, esta ideologia contém uma das piores profecias auto realizáveis da história. Se você segrega as pessoas, se você as discrimina, se você considera como algo perverso, doentio, imoral, proibido, ilegal e criminoso, aquilo que para elas é prazer ou prática social, é bastante razoável se esperar que muitas pessoas envolvidas com isto se tornem, justamente, aquilo que a sociedade imputa a elas. Não necessariamente em consequência das drogas. Existem níveis muito diferentes de risco psíquico e social nas mais diversas formas de uso das mais diversas drogas, mas, também, há aí toda uma imensa zona cinzenta em que conflitos interpessoais são resolvidos pela imputação de crime ou doença a quem se envolve com drogas. Antes mesmo de serem julgados, condenados ou presos por isto, mães e pais podem ser afastados de seus filhos, jovens podem ser retirados do seu convívio social, ter a liberdade restringida, serem submetidos à “contenção química”, pessoas podem perder seus empregos, serem excluídas da família etc., por conflitos os mais diversos, sob a acusação de envolvimento com drogas. Esta acusação é, hoje, na nossa sociedade, um dos principais recursos ideológicos de coação pessoal na nossa sociedade. Um recurso ideológico repressivo com forte consonância moral, religiosa, médica, policial, judicial e penal na nossa sociedade. Mas, de forma paradoxal, entre os maiores combatentes contra as drogas, sejam políticos, ou promotores e juízes, delegados e policiais, religiosos e influencers ou pais e mães de família respeitáveis, grande parte é drogada ou traficante; são, produtores, são vendedores e ou são usuários e dependentes das drogas, que eles dizem combater. Esta farsa é uma das faces mais perversas da guerra contra as drogas. Grande parte dos principais combatentes nesta guerra estão jogando nos dois lados, ganham dinheiro e sustentam a cadeia de produção e venda das drogas e, em público, são inflamados guerreiros da causa da proteção da família e da sociedade contra as drogas. Tudo hipocrisia e mentira. Tudo manipulação ideológica. O sistema é montado de tal modo que a violência seja sempre justificada contra certos grupos sociais. Ao passo que, na outra ponta, lucra-se muito com a criminalização das drogas. Os maiores combatentes contra as drogas estão com as mãos nos microfones que escandalizam, nas armas que matam, nas canetas que penalizam, mas estão com as mãos, também, na grana que as drogas geram. É simplesmente impossível haver crime organizado, como é o tráfico de drogas, sem a participação, sem o envolvimento direto, de parcelas significativas do aparato repressivo, das polícias, da justiça, dos políticos e do mundo religioso. Todos envolvidos e ganhando muita grana, mesmo, com as drogas proibidas. Aqueles que as combatem são também os que produzem, distribuem, lavam dinheiro e lucram com o tráfico. O sentido da criminalização e da guerra contra as drogas não pode ser, não é, portanto, a redução ou a eliminação das drogas. As mortes e as prisões de milhares, de milhões de jovens brasileiros, que se repete aqui, sem fim, todos os anos, é um ciclo necropolítico de destruição e autodestruição da nossa juventude, de destruição de potencialidades, de capacidades, de forças criativas e transformadoras. Feito pelo mesmo sistema que lucra com as drogas.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Sala de situação da virada 23/ 24

Sala de situação da virada 23/24 01/15 1. O sistema da guerra A situação global está ainda pior do que quando escrevi as salas de situação anteriores, recentemente. A guerra de Israel contra a Palestina irrompeu, enquanto a matança na Ucrânia continuou firme. Destruição e morte estúpidas, pura violência destrutiva e assassina, por puro ódio, por razões estratégicas, com todo tipo de justificativa, mas, sempre uma forma bárbara, destrutiva e assassina de resolver conflitos. No entanto, a guerra é aceita e propagada no sistema. O poder no sistema mundial, obviamente, se apoia, fortemente, na força militar. E não há nada mais adequado para o poder militar do que uma guerra, ou várias guerras. A guerra interessa a quem faz a guerra, quem financia, quem produz, todo o sistema de guerra, enfim, se mantém, tanto ideológica quanto economicamente, em função de existirem guerras. O sistema da guerra vive de guerras. De fato, mundo afora, os sistemas da guerra estão sendo reforçados, os seus orçamentos cresceram e as compras aumentaram com as novas guerras e com o aumento generalizado na percepção de risco de guerras. Isto é um resultado necessário das guerras e um impulsionador de mais guerras. O que é um ciclo virtuoso para os sistemas da guerra, é, sem qualquer dúvida, sob qualquer outro parâmetro, um ciclo de destruição e morte para a humanidade. Mas, como vencer estes ciclos destrutivos quando, na verdade, os grandes poderes da humanidade estão apoiados neles? A verdade é que nem aos grandes poderes interessa a guerra em toda a sua atrocidade possível. Ninguém realmente quer uma guerra entre grandes potências militares nucleares, muito menos com o uso das armas nucleares e muito menos ainda com um uso indiscriminado delas. O que interessa ao sistema de poderes vigente, ou aos poderes vigentes no sistema, é a guerra controlada e mais ou menos continuada, no mundo. Isso mantém o sistema da guerra e o poder baseado no terror, baseado no medo. A guerra controlada parece ser bem adequada para o sistema de poderes e para a forma de organização social e econômica da atualidade. Adequada aos governos e, até, às corporações. Ou pelo menos, bem tolerável para todos. Sala de situação da virada 23/24 02/15 2. A guerra como instrumento de política econômica liberal nas grandes crises econômicas A guerra não deixa de ser um instrumento de política econômica, sempre disponível quando a destruição é necessária para a própria estabilização e desenvolvimento da economia capitalista. E quando isto é necessário? Nos extremos das grandes crises econômicas, quando o seu custo econômico e social se torna grande demais para ser realizado dentro das condições normais da vida social, então, as soluções politico sociais extremas, como as guerras, passam a ser mais interessantes, mais aceitas e necessárias para o sistema. Numa crise econômica de grandes proporções, há dificuldade estrutural de realização do capital, dos investimentos, as perdas se acumulam em certos pontos do sistema, em certos setores e áreas da economia, provavelmente, aquelas de menor eficiência, forçando o ciclo de grandes perdas financeiras, de quebras sistêmicas, de desemprego e empobrecimento em massa. E tudo isto só retroalimenta a própria crise. Antes da utilização sistemática de medidas econômicas anticíclicas, as grandes crises econômicas do sistema capitalista mundial contemporâneo tinham que se resolver apenas por este processo autofágico extremo, sem freios, nem contra-balanços, com resultados sociais caclísmicos, onde o fascismo e a guerra se tornam alternativas viáveis. Sala de situação da virada 23/24 03/15 3. Medidas anticíclicas e de proteção social contra a crise liberal Com a adoção de medidas econômicas anticíclicas e de proteção social, que se tornaram cada vez mais disseminadas e intensivamente mais aplicadas, no sistema capitalista mundial, desde a crise de 1929, conseguiram-se criar “air bags” e barras de proteção para o amortecimento dos grandes “crashs” do sistema financeiro e produtivo e dos seus efeitos sociais e econômicos, que, por sua vez, retroalimentam a crise. Essas medidas permitiram que o sistema convivesse com crises econômicas de grandes proporções, com custo social e econômico muito mais baixo do que as anteriores. E é por isto que elas se impuseram. Elas podem não resolver as crises, podem até fazer com que elas demorem mais tempo para se resolverem, mas reduzem muito o seu custo social-econômico. A partir dos anos finais da primeira década do século irrompeu uma grande crise econômica de proporções mundiais, que não se resolveu ainda, apesar de todas as medidas de proteção social e da inundação de recursos públicos, para reduzir ou reverter as fortes tendências recessivas e de quebradeira dentro do sistema. E de onde vêm estas tendências? Da forte e progressiva concentração de renda que aconteceu no interior dos mais diversos países, com raríssimas exceções, na onda neoliberal, a partir dis anos 80 do século passado, após a sequência de décadas de tendência inversa, socializante. A grande concentração da riqueza da onda neoliberal é um elemento fundamental e uma causa direta da grande crise econômica atual, com a dificuldade sistêmica de realização do capital, dos investimentos, dos empreendimentos. A reversão desta tendência de concentração de riqueza se obtém com o aumento da renda do trabalho e de recursos de proteção e promoção social, em benefício das populações mais pobres e excluídas, proporcionalmente maior que qualquer aumento em lucros e renda financeira. É a resposta historicamente desenvolvida, social-democrata, ou, socialista, com redistribuição de riqueza e poder e avanços em proteção social e mecanismos de controle público sobre o mercado. Isto é, justamente, o oposto das tendências recessivas da concentração de renda da onda liberal. Sala de situação da virada 23/24 04/15 4. Fascismo e guerras são as respostas finais, no beco sem saída da crise liberal É muito difícil, no entanto, superar a visão e os interesses imediatos, de cada capitalista e da classe dos capitalistas como um todo, de lucrar sempre e o máximo possível. Isto é, obviamente, uma condição essencial ao sistema capitalista e, como tal, revalorizada nesta onda neoliberal, que foi tão bem sucedida, por um bom tempo. Agora, ela tenta continuar se impondo de qualquer jeito e é natural que busque até o fascismo e a guerra como alternativas viáveis, para não abrir mão de poder e riqueza, em favor de uma melhor distribuição social da riqueza e de uma economia mais equilibrada e com menos crises de grandes proporções. A própria crise econômica liberal impõe a necessidade de respostas não liberais, de respostas sociais democratas, ou, se você quiser, de respostas socialistas. Mas. é claro que a doutrina e o poder das estruturas de mercado vão continuar tentando se impor contra qualquer limite. A concentração de riquezas e o acúmulo de poder não é, obviamente, algo que se disponha a entregar facilmente. Ao contrário, todos tentam se manter no poder e concentrar ainda mais poder; Por isto mesmo não é de se estranhar que parte deles regridam ao fascismo e à guerra como opções viáveis, diante de ameaças sistêmicas, políticas e econômicas, ainda maiores, como o socialismo. Sala de situação da virada 23/24 05/15 5. As respostas liberais não podem ser uma solucao para a crise, porque elas são sua causa Mas, as respostas liberais e, portanto, também as respostas fascistas, que terminam se unindo, como vimos aqui no Brasil, não são, não podem ser, adequadas e suficientes para dar uma solução para a grande crise econômica capitalista. Ao contrário, elas tenderão, sempre, a aumentar a crise. Pois, a crise tem sua origem maior justamente na imensa concentração de riqueza e poder no extrato mais rico da população, que veio ocorrendo, de um modo geral, nos mais diversos países. A onda liberal concentra renda e poder nas mãos dos grandes capitalistas e aprofundar isto não pode ser a solução, obviamente, da crise. Pelo receituário liberal, o mercado deveria continuar atuando sempre sem intervenções, com o mínimo de restrições legais e proteções aos trabalhadores e à população em geral. Mesmo que isto leve a uma tendência continuada de concentração de renda e poder nas mãos de pouquíssimas corporações sob controle privado. E mesmo que, ao fim, isto leve à invisbilidade de realização dos investimentos, quebra em massa de setores da economia mundial, sem proteção social para os perdedores neste jogo de vida ou morte e sem proteção sistêmica também para os crashs financeiros. Ora, isto é, de fato, impraticável hoje. A não ser que se conceba que a solução liberal ainda pode ser imposta na realidade e que não se deve estabelecer nenhuma medida anticíclica, nem de proteção social, nem econômica. Isto só seria possível com um custo econômico-social elevado demais. Certamente, por isto mesmo, essa não foi a resposta sistêmica à crise atual, em que estamos desde os fins da primeira década do século. Muito ao contrário. Não é possível, hoje, se manter a onda liberal, a agenda do pacto de Washington, como se dizia décadas atrás. A não ser através do fascismo e de guerras ampliadas. E mesmo assim não por muito tempo. Porque ela não dá uma resposta razoável para a grande crise econômica do sistema capitalista mundial. Ao contrário, a onda liberal é a causa desta crise e a manutenção da sua lógica apenas aprofundará ainda mais a crise. E é aí justamente que repousa o maior risco do fascismo e das guerras, que todos percebemos atualmente. É o beco sem saída ao qual a onda liberal atual (chamada de neoliberal) nos trouxe. Sala de situação da virada 23/24 06/15 6. A crise do final da onda (neo)liberal e o avanço do socialismo Estamos, é claro, num momento de agudo confronto entre a ideologia liberal que aparentemente prevaleceu, sem contraponto viável, desde os fins da década de 80 do século passado e a ideologia socialista, no que eu incluo a ideologia social-democrata (algo que já considerei brevemente em textos anteriores e que vou voltar a considerar em textos adiante). Estamos num momento agudo neste confronto, justamente porque a onda liberal atual (neoliberalismo) está em seu fim histórico e uma nova onda socialista / social-democrata se ergue, depois de um período de aparente derrota histórica completa. No entanto, a lógica, a ideologia, a ordem e a práxis socialistas é que são as vencedoras históricas e isto não parece ser evitável, ainda que, é claro, a ascensão do fascismo e as grandes guerras possam atrasar muito este processo histórico, como o fizeram no século passado. A imensa concentração de renda e poder nas mãos dos grandes capitalistas, que a onda liberal realiza, é a sua própria condenação a grandes crises econômicas sem solução dentro dos marcos do liberalismo, a não ser com altíssimo custo econômico-social. A experiência histórica e a teoria desenvolveram respostas a este dilema liberal. Respostas que, certamente, nos distanciam do capitalismo liberal e nos aproximam do modelo socialista. E não há nenhum país do mundo, nem instituição financeira ou econômica responsável, com poder real no cenário mundial, que não endosse a adoção destes instrumentos, ou, pelo menos, de uma parte deles, para proteger a economia e a sociedade e sair das grandes crises, com menor custo econômico e sofrimento social. Na hora da verdade, o sistema operou, mais uma vez, uma massiva intervenção do poder público nos mercados para a contenção e recuperação da crise. É natural que os capitalistas defendam a intervenção pública para a proteção do sistema financeiro ou da riqueza dos capitalistas, em geral, e se coloquem contrários ao aumento da renda do trabalho e dos recursos de proteção social. Mas, a crise não vai ser superada só com um destes dois lados das medidas anticíclicas. Somente a proteção dos mercados, sem a redistribuição de renda em favor das massas populares, não permitirá a emergência do novo ciclo mundial de desenvolvimento como aquele do período de 45-75. Ao contrário, uma resposta anticíclica neoliberal, mesmo mitigando a crise pela avalanche de recursos financeiros lançados em proteção e estímulo aos mercados, vai sempre manter a bomba da crise armada sob tensão crescente e explosões ocorrerão, certamente, até que o sentido da dinâmica econômico-social seja realmente modificado em favor das massas populares. O ganho de produtividade do trabalho social, do mesmo modo que o consumo popular crescente são componentes essenciais do ciclo, ou melhor dizendo, da espiral de desenvolvimento econômico. Assim como aconteceu no período de 45-75, ou talvez, até, de 30 a 75, do século passado, o próximo período histórico no sistema capitalista mundial será, e já é, de crescimento do predomínio do socialismo, da social-democracia, no mundo. Sala de situação da virada 23/24 07/15 7. A nova onda socialista versus a resistência neoliberal A nova onda socializante será, certamente, bem mais avançada do que a anterior, já que nem mesmo o recente período neoliberal conseguiu eliminar grande parte das conquistas sociais anteriores, seja em termos de gestão das crises econômicas e seja em termos da proteção social, que se disseminaram no século passado, principalmente no centro rico, mas também nas periferias médias e pobres. E também no tocante à integração mundial estamos agora muito mais avançados do que no fim da primeira metade do século passado, o que nos permite antever algo ainda muito maior a seguir, dentro da nova onda socializante. As condições e o aprendizado histórico nos permitem e nos impulsionam a ir bem mais adiante, agora. Mas, é preciso não confundir o que é a tendência histórica de médio prazo e o que são os movimentos históricos locais contemporâneos. Nós estamos em um momento, como eu dizia, de grande, de intenso, de agudo conflito ideológico e político, com a ascensão de uma extrema direita que defende, com unhas e dentes, a manutenção do status quo de poder vigente no mundo capitalista atual, sob o predomínio estratégico dos EUA, em que convergem o liberalismo econômico com o conservadorismo nacionalista, belicista, religioso, fascista, enfim. Não há dúvida que esta ideologia e estas correntes políticas ganharam grande projeção nas últimas décadas e nos últimos anos. Era mesmo de se esperar. Esta é uma resposta extrema do sistema capitalista, tentando impor sua lógica liberal mais básica e profunda, de qualquer modo, contra o fato histórico inegável que, hoje, esta ideologia é fator central na manutenção e aprofundamento da crise. Isso quer dizer que, apesar da tendência histórica, já presente, de crescimento do socialismo, nós estamos vendo, e vamos continuar vendo ainda, o crescimento localizado das forças fascistas e belicistas da extrema direita. Isto é, até cento ponto, inevitável também. E, com certeza, elas podem provocar turbulências ainda mais extremas no sistema mundial na atualidade, no futuro próximo. Mas, seja como for, com qual custo social a crise se realizar, se desenvolver, apenas um novo ciclo de ampliação de recursos, de poder de compra, de capacidade de agir e de interferir nos próprios destinos históricos, das grandes massas, pode fazer reverter a crise liberal. A crise produzida pela imensa concentração de rendas, e também de poder, nas mãos de poucos capitalistas, característica do fim de uma grande onda liberal dentro do sistema, só pode ser realmente revertida quando se conseguirem avançar decididamente os padrões de renda e consumo das massas populares, de modo a permitir um novo ciclo econômico com realização e valorização do capital, com recuperação e ampliação dos investimentos, sem maiores dificuldades. Isto é, na realidade, frontalmente contrário à lógica espontânea do mercado e, portanto, à ideologia liberal propriamente dita e só pode ser realmente realizado com novas vitórias ideológicas e políticas da social-democracia e do socialismo. E esta é a tendência principal do momento histórico atual. Mesmo que ainda estejamos no fim da onda liberal, inciada há 50 anos, e, portanto, no início da nova grande onda socializante, eu entendo que esta já é a tendência predominante no atual momento histórico e que ela é, de fato, muito difícil, ou, virtualmente, impossível de ser evitada. O neoliberalismo e o neofascismo são condições ou elementos do sistema, neste momento, coerentes com o imperialismo norte-americano e do chamado oeste global, isto é, dos países ricos e centrais no sistema capitalista mundial contemporâneo. Ao contrário de serem completamente derrotados, portanto. Ainda veremos, é claro, vitórias ideológicas, políticas, institucionais, econômicas e sociais do liberalismo e do fascismo no mundo. Mas, o que eu estou dizendo, insistentemente é que elas não prevalecerão. Não passarão, como diz a palavra de ordem da esquerda antifascista. Não passarão e não poderão passar porque eles não podem resolver a crise mundial do sistema em que estamos agora. Apenas a nova onda socializante permitirá a ruptura do ciclo de concentração de riquezas e crises de realização do capital. E ela já está em curso. Sala de situação da virada 23/24 08/15 8. O liberalismo contra as forças históricas de integração mundial e desenvolvimento É muito sintomático que a globalização tenha sido a bandeira neoliberal, por excelência, e que ela se tornou um anátema para os liberais. Agora são eles, e não os socialistas ou os sociais-democratas, que estão tentando barrar o movimento histórico de globalização econômica e social, são eles que estão regredindo para a imposição de barreiras comerciais, para a dissociação tecnológica e industrial das economias, das nações, em blocos antagônicos. São eles que estão inflando os nacionalismos e a xenofobia, as ameaças e os conflitos militares. Mas, a força motora da economia é grande o suficiente para tornar extremamente difícil, ou, realmente, impossível, de ser barrada. O movimento de integração tecnológica e produtiva, em escala mundial, não irá parar. A força de desenvolvimento e integração da produção e da tecnologia, em escala mundial, é um recurso de eficiência e ampliação de produtividade no sistema, em grande escala. Por isto mesmo, dificilmente regrediremos das conquistas da globalização neoliberal ainda que elas estejam sofrendo alguns reveses agora, sobretudo pela ação estratégica da potência que está perdendo o seu posto imperialista no sistema mundial: os EUA e ainda que, hoje, haja todo este esforço estratégico do liberalismo para conter a globalização, em todas as suas dimensões: econômica, tecnológica, política, institucional e até cultural. Os antigos centros do poder no sistema não querem abrir mão de sua dominância, mas hoje ela já não corresponde mais ao seu poder real e eles já estão, predominantemente, na condição de forças do atraso e da regressão no sistema. Não passarão. Mesmo que cheguemos a grandes guerras de destrutividade avassaladora, como foram as grandes guerras do século passado. o que ainda não está na ordem de possibilidades realistas, no presente, mesmo que cheguemos a isto, a solução, ao fim, também será, como foi no século passado, de mais socialização e mais globalização. Se tem algo que hoje a direita conservadora odeia em todo o mundo é o globalismo. Seja no sentido do sistema econômico mundial, da globalização, por integração comercial, tecnológica e produtiva em escala mundial. Seja no sentido da globalização institucional e política, através da ascensão de instituições transnacionais de tomada de decisão e normatização transnacional do sistema mundial. Seja no sentido da globalização cultural e de valores universais para o sistema mundial. Tudo isto soa, hoje, aos movimentos de direita, como o maior veneno contra os seus valores, a sua liberdade, o seu poder, a sua riqueza. E, talvez, no fim, eles tenham mesmo razão. Toda pessoa, que tem mais do que dois neurônios e entende um mínimo de economia e sociedade no mundo contemporâneo, tem que ter certeza que são necessários, justamente, novos e decisivos avanços no globalismo, na globalização, na integração mundial. É óbvio que o patamar atual de integração da economia mundial não deve ser revertido, nem no sentido do “decoupling”, da dissociação das cadeias de produção, nem no sentido das guerras comerciais e de embargo econômico, nem no sentido das guerras militares. É óbvio, para todos que se interessam pelo bem humano, que devemos prosseguir a integração científica, tecnológica, produtiva, comercial e financeira que foi importante recurso para o desenvolvimento mundial nas décadas finais do século passado e no início do presente século. Essa necessidade econômica e social terminará por se impor, mesmo contra todos os movimentos ideológicos, políticos e econômicos contrários, que hoje se manifestam nos grandes centros de poder do sistema capitalista mundial. Aqueles mesmos que, na década de 80 do século passado e nos anos seguintes, foram os maiores defensores da globalização. Sala de situação da virada 23/24 09/15 9. A ascensão da China e o declínio dos EUA no curso da onda neoliberal Outro paradoxo muito interessante e decisivo, da atual onda liberal capitalista, é que ela é também o período da impressionante ascensão, continuada, da China socialista, de sua economia e sociedade. Isto criou a situação, única na história, em que a principal potência emergente é um país, é uma economia, socialista. Isto nunca tinha acontecido. A União soviética, com todo o seu crescimento acelerado nas décadas de 30 a 60 ou 70, não conseguiram se tornar uma força emergente capaz de disputar a hegemonia econômica dos EUA. De fato, o domínio dos EUA jamais pareceu tão comprometido como agora. Os dados já mostram o ascenso da China ao primeiro posto mundial em termos de produção cientifica, em termos de patentes tecnológicas, em termos de comércio mundial, em termos de projetos de desenvolvimento transnacionais. Em tudo isto a China já se tornou a primeiro país e a primeira economia do mundo. Já ultrapassou os EUA nestes e em vários outros parâmetros econômicos, e até sociais, e segue avançando. Chegamos a um ponto em que o domínio econômico e geopolítico norte-amercano está sendo contestado de modo muito mais incisivo e decisivo do que foi possível com a URSS. Isto é inquestionável. A China é a maior potência emergente neste novo momento histórico e tudo indica que está fadada a superar os EUA em termos de influência objetiva e, com certeza, também subjetivamente, cultural e ideologicamente. Sala de situação da virada 23/24 10/15 10.O declínio do predomínio militar do Oeste global e a derrota na guerra da Ucrânia. Os EUA necessitarão cada vez mais do seu poderio militar para se impor, ainda, no cenário geopolítico e econômico, mais ainda do que sempre necessitaram, agora que o seu poderio científico, tecnológico e produtivo declinou sensivelmente, em comparação ao resto do mundo. O risco de guerra é alto por isto e por causa da crise econômica que ainda estamos vivendo no sistema capitalista mundial. E a guerra é sempre uma solução possível e até interessante para o sistema capitalista, em grandes crises econômicas. Mas, agora, está ficando cada vez mais claro que a própria realidade militar do mundo mudou também, já, de modo incontestável, e sempre no sentido da perda do predomínio dos EUA e seus aliados imediatos. Já não há muita dúvida que a Ucrânia não poderá suplantar o poderio militar russo. Coisa que para mim sempre foi evidente. Mas, cada dia fica mais inegável. Veremos, mas tudo indica que a Ucrânia jamais recuperará os territórios perdidos, a não ser em acordo com a Rússia, e, neste caso, jamais entrará para a OTAN. Os dados do teatro das ações militares, onde ocorre a destruição e a mortalidade, absurdas e sem qualquer sentido, dão conta que a Rússia é a vencedora desta guerra e a Ucrânia e a Europa os maiores perdedores, com as economias jogadas na areia movediça e as sociedades em crise. Contudo, foram justamente os EUA e a Europa que jogaram a Ucrânia na guerra. Interessava a eles do prisma geopolítico, e, nunca podemos nos esquecer, a guerra é sempre uma resposta possível para crises econômicas extremas, dentro do sistema capitalista. Os EUA ganharam e perderam e é difícil saber se ganharam mais do que perderam. Venderam mais gás caro para a Europa e armas para a Ucrânia, mas deram grana pros corruptos ucranianos queimarem, e, ao fim, perdem autoridade, porque a derrota da Ucrânia também é uma derrota dos EUA. Mas. se eles não saírem logo desta guerra, os seus custos vão ficando pesados demais, para os EUA e para a Europa, que, de todo modo, já estão em dificuldades econômicas e sociais muito grandes agora. Assim como foi a grande vencedora no desafio da pandemia, a China tende a ser a grande vencedora agora, com a derrota da Ucrânia. Mas, a China será a grande vencedora da guerra, seja qual for a sua resolução, sem dar um tiro, nem vender um míssel. E por isto mesmo. De fato, a China já é vitoriosa porque a economia chinesa sofreu menos do que aquelas mais diretamente envolvidas na guerra e segue com um crescimento econômico consistentemente superior àquele dos EUA e, mais ainda, da Inglaterra e da UE. Não há dúvidas que o poderio econômico da China está superando aquele das grandes potências ocidentais e, especificamente, aquele dos EUA. Já foi vitoriosa, até agora, porque se manteve firmemente em favor da paz e não se envolveu no conflito que, certamente, não era dela, assim como não era dos EUA. Sala de situação da virada 23/24 11/15 11. A (re)emergência do radicalismo de direita, do anarco liberalismo e do fascismo Uma das características do tempo presente é a exacerbação das posições liberais, neoliberais, chegando, enfim. ao predomínio dos extremos de uma propaganda anti sistema e de confronto com os limites da democracia e da institucionalidade constitucional. Ou seja, em uma palavra, fascistas. A reemergência do fascismo, disseminadamente, é realmente de se esperar quando chegamos aos limites de uma grande crise sistêmica do capitalismo liberal. E é justamente o que estamos vivendo agora. Não é de se estranhar que, nestas condições, a doutrina liberal, na obstinação de garantir os ganhos relativos dos ricos, isto é, a concentração de renda, que marca toda onda liberal, aprofunda sua aposta e, lançando mão de todos os recursos econômicos, normativos e políticos que se apresentam, sucessivamente se aproxima, se desenvolve e desemboca, enfim, em formas fascistas. Hoje, paradoxalmente, são os liberais que se mostram com as aparências de rebeldia contra o sistema e não exitam em testar todos os limites constitucionais e democráticos, ou romper diretamente com eles, para manter e até aprofundar a concentração de riqueza e poder nas mãos dos capitalistas. A primeira pergunta que se deve fazer é: como eles vão ser contra o sistema se o sistema é justamente estruturado em favor dos capitalistas? E a resposta deve ser: porque as coisas estão em transformação no mundo, verdadeiramente. O que surge na dimensão política e ideológica mais imediata como o conflito entre social democracia e socialismo, de um lado, versus capitalismo liberal e fascismo, do outro, no plano ideológico mais avançado, como perspectiva de futuro, como meta teleológica, surge como o conflito entre anarco-comunismo, de um lado, e anarco-capitalismo, do outro. Em termos ideológicos, o que se pode dizer que seja o ideal liberal, em seu conteúdo mais elevado, mais puro, ou essencial, de acordo com os seus princípios, é o que se expressa no anarco-capitalismo. É aí que o ideal de liberdade instituída pelo mercado se mostra mais puramente, mais precisamente, mais verdadeiramente. O anarco-capitalismo é, realmente, o que há de mais coerente, mais radical em relação aos próprios princípios, na ideologia liberal. E ele termina, necessariamente, em alguma forma de fascismo. Não é estranho, portanto, que uma figura como o novo presidente da Argentina surja no cenário político mundial atual. A ideologia anarco-liberal é uma forma extrema da ideologia liberal e, em geral, ou conceitualmente, apenas pode ser a ante-sala do fascismo. Seja por sua essência, seja pelas necessidades operacionais para sua implantação, o anarco-liberalismo deve terminar em fascismo, ou ser detido antes. E não é mesmo de se estranhar que surja na crise econômica extrema da onda (neo)liberal no sistema capitalista contemporâneo. Ao contrário, é realmente isto que se espera. Quase podemos dizer que a ideia básica do anarco-liberalismo é, simplesmente, aquela de dar mais poder, ou, liberdade, como eles gostam de dizer, aos capitalistas, ou seja, em todos os sentidos decisivos, dar mais poder aos poderosos do mercado. Isto significa a submissão de toda a sociedade aos poderes e à imposição do mercado capitalista, o direcionamento de toda a vida social, enfim, pelo mercado capitalista, sem as aparas ou regulações do estado de bem estar, da social democracia, do socialismo e, nem mesmo, da democracia liberal. O anarco-capitalista acredita que pode prescindir de tudo isto e que o livre exercício do mercado deve ser imposto em todas as dimensões da vida social. Sala de situação da virada 23/24 12/15 12. O anarco liberalismo é, ou será, necessariamente, uma forma de fascismo Conceitualmente, é óbvio que a extrema concentração de poder nas mãos dos endinheirados, sem qualquer restrição ou mediação pública, vai resultar no abuso e opressão igualmente extremos e que a liberdade de empreender vai se tornar liberdade de oprimir e explorar, sem limites, vai se tornar fascista, portanto. Não é difícil imaginar (ou constatar) o domínio de milícias a serviço dos capitalistas ou em acordo com eles, para a imposição do seu poder, sem qualquer contestação pública. Isto é anarco-capitalismo, em sua essência. Além disto, para operacionalizar estas loucuras liberais extremas, em uma sociedade contemporânea, será necessária a imposição de força, de um governo não constitucional, insurrecional, ditatorial, fascista, portanto. Como já mostram as primeiras medidas do novo governo da Argentina. Eu vou tratar deste tema do anarco-capitalismo versus anarco-comunismo em um texto específico, já que, como eu tenho dito, esta é a próxima questão ideológica, a questão de futuro, mais importante do sistema social mundial, da humanidade, na contemporaneidade. Por hora,, eu quero apenas destacar o caráter insurrecional ou subversivo que a direita tem assumido, ou tomado nas últimas décadas e, ainda mais nos últimos anos. Isto é compreensível, vamos repetir mais uma vez, pelo estado avançado da crise econômica mundial, marcando o fim completo da atual onda liberal. Dentro da lógica liberal, a grande crise econômica do sistema capitalista mundial só poderá ser revertida através do máximo aprofundamento da crise, até o momento catastrófico de grandes guerras mundiais e /ou outros eventos catastróficos, que realmente exerçam o papel de empobrecerem drasticamente as sociedades ao ponto delas aceitarem a regressão a condições de vida e trabalho características do surgimento do capitalismo, das economias escravistas, dos impérios coloniais e outras economias de acumulação baseadas na expropriação e exploração extremas e na violência correspondente. Mas, exceto em condições catastróficas muito maiores do que aquelas da segunda guerra mundial, nós jamais regrediremos ao capitalismo liberal e a toda a barbárie que ele representa. Ele ainda nos acossa, ele ainda nos agride, mas, você pode ter certeza que ele perde poder progressivamente, que ele está sendo suplantado, superado, substituído, por sistemas, modelos e recursos mais e mais socializantes. Sala de situação da virada 23/24 13/15 13. A tentativa de impor um choque liberal na Argentina Não é de se estranhar, por isto mesmo, que a ideologia liberal se apresente agora como insurrecional, como anti-sistema, como rebelde. Quanto ela apenas pode ser muito reacionária. E na medida em que o movimento histórico tem o sentido que eu entendo que tem, o sentido socializante, cada vez mais reacionária. A ideologia anarco-capitalista, que se pinta como o mais novo, é sempre o mais velho. Mas não é por isto que ela não pode ser utilizada como instrumento de choque em uma sociedade capitalista qualquer. O choque liberal, se for realmente implantado, pode, como outros modelos sociais extremos, funcionar, em algum momento, anos a frente. Mas a que custo? Não consigo nem divisar e não creio que isto tem sustentabilidade social em lugar algum do mundo contemporâneo, nem na Argentina. A crise será grande demais. E o caos também. Por um tempo suficientemente longo para inviabilizar o governo, caso ele não se converta em um governo de exceção, uma ditadura mesmo. Não me parece que isto seja viável agora. Um impasse se desenha, portanto. Os extremistas de direita, os malucos anarco-liberais, e os donos do poder econômico ganharam as eleições na Argentina, mas não podem impor suas medidas delirantes. Se o fizerem levarão a sociedade Argentina a uma crise muito violenta. O parlamento da Argentina não pode permitir isto. Mas, ao fazê-lo, inviabilizará o governo dos liberais delirantes. Agora, vamos ver o que virá. Mas, não podemos nunca nos esquecermos onde isto está ocorrendo. Na Argentina, cuja economia representa 0,5% do PIB mundial e cuja capacidade militar foi testada e comprovada na guerra das Malvinas. Enfim, que não representa risco sistêmico quase nenhum para o mundo atualmente. Ali pode bem ser um bom balão de ensaio de uma tentativa de regressão liberal, de imposição regressiva da economia liberal do século XIX e das primeiras décadas do século XX à sociedade atual, que se desenha pra todo lado, na ideologia de extrema direita atual. Enfim, o que acontece na Argentina, hoje, não tem grande peso no mundo e pode-se tentar qualquer coisa lá, inclusive com a imposição de empobrecimento em massa e caos social. Veremos, mas, de todo modo, não acredito que conseguirão levar isto adiante. Se o fizerem será a um custo social extremo e dentro de um regime de exceção, de uma ditadura aberta. Sala de situação da virada 23/24 14/15 14. A guerra de Israel contra a Palestina e a necessidade de uma nova governança mundial Até aqui não tratei ainda da questão da guerra de Israel contra a Palestina. Não vejo, por triste e desesperadora que seja a situação atual dos palestinianos, não vejo perspectivas melhores. Estão sendo dizimados e obrigados a migrar e não parece haver, em todo o mundo, força e disposição para barrar isto. Enfim, é mais uma limpeza étnica que a humanidade, que o sistema social mundial, produz, ou, vê ocorrer e não pode evitar. Dentre todas as obviedades e truísmos que se deve falar, em termos de geopolítica, o mais importante e necessário é que precisamos, cada vez mais, de uma melhor governança global. Com toda certeza as instituições e os instrumentos do século passado não são mais capazes de lidar com uma dinâmica global que cresceu, em tantas dimensões, ao nível exponencial nas últimas décadas e que agora enfrenta uma longa crise sistêmica. Todo o sistema das Nações Unidas e das instituições associadas ou derivadas, que hoje compõem um arremedo de governança global, está ultrapassado e não dá conta dos desafios globais para nada, nem para lidar com epidemias, nem com a economia ou com as crises humanitárias e as guerras. É claro também que a grande crise sistêmica, em que estamos metidos há mais de uma década já, põe uma grande imensa e fragiliza ao extremo as estruturas já muito frágeis e impotentes do sistema de governança global atual. Como tenho insistido, a crise atual vem desde os fins da primeira década deste século e, como se trara de uma crise do fim da onda liberal, que vigorou desde os fins da década de 70 do século passado, é mesmo de se esperar que no seu curso surjam e se acentuem as forças do extremismo liberal e do fascismo, o que termina sendo, no fim, na realidade, a mesma coisa, como procurei mostrar acima. E, obviamente, o risco de guerras de maiores proporções cresce também, perigosamente. Não é de se estranhar que sejam os liberais e os fascistas que se manifestam hoje mais aberta e decididamente contra as instituições e instrumentos de governança global ou mesmo regional. As forças liberais, que no início da onda neoliberal foram os propulsores ideológicos da globalização, se tornaram anti-globalistas e regrediram às ideologias fascistas do nacionalismo e do conservadorismo. Com certeza nem todo nacionalismo e nem todo conservadorismo são fascistas, mas, todo fascismo é nacionalista e conservador. E, realmente ninguém pode ter dúvidas do caráter regressivo do liberalismo atual. Não se trata apenas da defesa da liberdade de exploração e abuso do capital, não, agora, os liberais são francamente contra o globalismo, ao contrario, se mostram cada vez mais nacionalistas, xenofóbicos, conservadores, militaristas e religiosos. Tudo isto é compatível com a situação de crie final da onda liberal atual. Sala de situação da virada 23/24 15/15 15. O risco crescente das guerras com o liberalismo versus a nova onda socialista O risco de grandes guerras, a doutrina de guerra comercial, industrial, estratégica e militar necessariamente crescem, tomam uma dimensão maior e mais fundamental no sistema capitalista no curso destas grandes crises econômicas, especialmente, ou, talvez, especificamente na crise final da onda liberal. Neste caso, as forças liberais necessariamente se tornam regressivas em relação ao desenvolvimento do sistema mundial. Esta grande crise econômica, que não encontra solução fácil nem rápida, força o sistema de poder capitalista à tomada de decisões progressivamente mais drásticas e, enfim, realmente desesperadas, na tentativa de manter a onda liberal ou, em uma frase, na tentativa de manter a grande concentração de renda obtida no curso da própria onda liberal, E, enfim, a própria guerra surge como uma alternativa razoável para a realização de uma grande queima de capital, desemprego e barateamento da força de trabalho, ou seja, empobrecimento em massa, que são as respostas liberais tradicionais à crise. Como eles mesmo dizem, é preciso piorar para melhorar. E nada melhor para piorar do que a guerra. A possibilidade de superarmos esta crise, evitando e reduzindo os danos das ameaças cataclísmicas simultâneas de grandes guerras e grandes crises ecológicas e climáticas mundiais, depende do avanço socialista no sistema capitalista mundial. E isto já está em curso. Este avanço socializante necessariamente se dará como novos ganhos de renda e de recursos para as massas trabalhadoras em todo o mundo, com uma nova onda de redistribuição de renda e poder nos diversos países e, ao mesmo tempo, com o avanço na globalização econômica e no desenvolvimento, ou na criação de um novo sistema de governança política e econômica global. É óbvio que temos a oportunidade disto ocorrer, em grande parte, ou, até, no essencial, atrelada ao fato histórico único de que a grande potência econômica emergente, em contraposição ao império decadente dos EUA, a China, não é uma nova potência imperialista, mas sim, uma potência socialista. Até agora, de fato, a China tem se mantido firmemente e consistentemente em favor do avanço da globalização econômica e das cadeias econômicas globais, contra as guerras comerciais, contra a dissociação das cadeias de produção globais; a favor da revitalização e recriação de instituições de arbitragem, regulação e governança globais; a favor do multilateralismo, das relações internacionais de ganho mútuo e a favor da paz. Nos próximos anos e décadas as tensões que foram delineadas nesta sala de situação irão se exacerbar e realmente dependeremos muito da continuidade das posições acertadas e do poder de atração da China socialista. Não que ela se coloque como liderança impositiva, mas justamente, ao contrário, como tem se portado nas últimas décadas, como o grande parceiro para o desenvolvimento multilateral, global. Isto poderá nos permitir o caminho da paz, que é tão fundamental agora, o caminho da continuidade e aprofundamento da integração global da humanidade, que seria impossível de fato, se a grande potência ascendente fosse, de novo, um Estado imperialista.