domingo, 6 de novembro de 2016

O Governo Golpista Está Enganando o Mercado Golpista?

De acordo com a narrativa do mercado golpista o governo Dilma foi derrubado pela sua completa incapacidade em controlar o crescimento do déficit público e inspirar confiança no mercado.
Sejam quais forem as outras razões para o golpe, essa é, certamente, a central.
Não é, portanto, à toa que o processo do impítima foi centrado em supostos crimes fiscais do governo Dilma. Essa foi realmente a motivação maior do golpe, para grande parte dos seus articuladores.
Também não é à toa que a primeira entrega de grande impacto do governo golpista seria justamente o projeto de reequilíbrio das contas públicas. A PEC do limite dos gastos. A PEC 241 na câmara, agora PEC 55, no senado.
Mas aí é que aparece a questão do título. Tudo no governo golpista tende a ser farsa. O combate à corrupção nas mãos de grandes bandidos, de experientes ladrões e criminosos de todos os tipos é a mais evidente delas, não é? Mas, em algo assim, digamos, muito mais sério para o mercado, que envolve a possibilidade de redução da inflação, queda dos juros, retomada do investimento, do crescimento econômico e do emprego, será que ainda aqui o golpe não é também uma farsa? 
A PEC é uma monstruosidade, condenando o estado brasileiro a congelar os seus gastos no, baixíssimo, nível atual, por 20 anos. Essa medida draconiana, psicopática, acaba com o sentido básico da Constituição de 1988, eliminando os compromissos e as responsabilidades sociais do Estado, em troca do limite absoluto ou teto, dos gastos e investimentos públicos no país. 
Ela seria, portanto, a garantia de equilíbrio fiscal que o mercado almeja. E por isso, na medida e que sua aprovação é dada como certa no senado como foi na câmara, o mercado reage com melhora das expectativas, o otimismo dos empresários cresce e a economia reage, o que seria visível já no crescimento da bolsa e na queda relativa do dólar.
Mas o que a PEC faz de fato, durante o governo golpista? Nada. Ao contrário de se impor limites rigorosos e cortes no seu gasto, o governo golpista já tinha pedido e obtido um aumento para o seu limite dos gastos, um aumento do déficit público. E foi por isso que ele pôde dar aumento a categorias especiais do funcionalismo público, aumentar os gastos com a publicidade e a mídia, renegociar dívidas de estados e até aumentar alguns gastos sociais de transferência direta de renda (com o aumento no bolsa família e agora com o cartão de construção). Certamente um governo Dilma não conseguiria realizar esses aumentos de gastos (essas medidas populistas, como gostam de falar frequentemente os inimigos do povo). Eles sofreriam grande reação do mercado e até popular e seriam barrados pelo congresso.
Ou seja, o governo golpista, com autorização do congresso golpista, gasta mais, no que quer e como quer, mas promete ao mercado a grande contenção de gastos no futuro, para os governos e parlamentos futuros, através da PEC 55. E o mercado acredita.
Essa é a narrativa que querem nos contar atualmente. Essa é a interpretação que a mídia golpista dá para os sinais de mercado atuais. Isso é o que os economistas golpistas querem nos incutem na cabeça todos os dias.
Mas tá estranho não tá? O "mercado" não é tão ingênuo assim para se sentir seguro e entregar-se ao investimento e à produção, crédulo que agora temos a seriedade e a responsabilidade na condução dos gastos públicos. Não é razoável supor que o governo golpista e o congresso golpista tenham de fato o mínimo compromisso com a responsabilidade fiscal e nem muito menos que governos e congressos futuros aceitem o freio imposto pela PEC. Ao contrário, é mais do que certo que, crescendo a economia e a arrecadação tributária, o governo encontrará jeitos de gastar mais com a autorização do congresso.
Como então a mídia golpista e os economistas golpistas repetem, sem parar, que a PEC do limite dos gastos é fundamental para restituir a credibilidade e a confiança ao mercado e que os sinais positivos já se mostram com a aparente certeza da sua aprovação?
Taí algo interessante de se avaliar.
Antes de considerar isso, quero agradecer ao amigo Vinícius, a indicação do caráter de farsa da PEC 55. Ele não pode ser desprezado.
Se é assim, então, não existem sinais positivos do mercado? Sim, eles existem, mas não têm necessariamente nada a ver com a possível aprovação da PEC assassina. Não, a inflação já mostrara sinais de controle (com as fortíssimas medidas recessivas, de restrição fiscal e aumento de juros, do governo Dilma) e a bolsa e até a indústria já mostravam sinais de crescimento antes mesmo do impítima. Sim, já tínhamos batido no fundo do poço e começávamos a recuperação que se segue normalmente a cada ciclo recessivo. A saída do governo Dilma teve, por si só, o efeito da retirada de um bode da sala, o mercado, digamos assim, respirou aliviado e alguns investimentos e projetos contidos por motivos políticos puderam ser retomados. É essa a condição que nós estamos. E esses são os sinais que podem ser percebidos atualmente na economia, no mercado. Mas, apenas isso. Não é preciso fazer recurso a nenhuma fé, nenhuma segurança, nenhuma confiança excepcional e ingênua do mercado em uma promessa de engajamento dos governos e congressos futuros no equilíbrio fiscal.
Então, em primeiro lugar, o que há é apenas a continuidade da batalha ideológica midiática aberta, que se instaurou no país. Um dos centros dessa batalha é, claramente, a questão dos gastos públicos, do tamanho e funções do estado, por um lado, e dos direitos sociais e do padrão de dignidade e qualidade de vida para a população brasileira, do outro.
A ideologia que está sendo vencedora, com a campanha do impítima, propõe que o mercado seja o instrumento regulador social fundamental. E que, portanto, direitos sociais e responsabilidades públicas têm que ser eliminados e restringidos para que a economia possa reabsorvê-los futuramente através da compra e venda de serviços e bens (como educação, saúde, saneamento, estradas, moradias, transporte etc) pelo mercado. Não importa para esse raciocínio o quão ruim já estão hoje esses serviços e recursos no país, especialmente para grandes massas da população de baixa renda. Não importa, portanto, o quanto as condições de vida e de dignidade dessas populações já estejam rebaixadas, aviltadas. Não, nada disso importa para o pensamento liberal ortodoxo e irresponsável que tomou conta da mídia e do imaginário brasileiros na onda do golpe. A sua fé doutrinária e o seu viés elitista e antipopular fazem com que os seus propagadores sejam insensíveis à piora dos serviços e recursos públicos para os mais pobres quando a sua renda já está comprometida. São insensíveis ao que isso levará em termos de perda de qualidade de vida e dignidade para as massas populares.
E, se é assim e assim é, a PEC 241 / 55 é mais um instrumento ideológico que prático, econômico-financeiro. Pois, nesse aspecto ela não é mais que uma promessa futura pouco confiável. Ela tem, certamente, é uma grande importância no debate político e ideológico presente e certamente é um trunfo para o governo, o mercado e a mídia golpistas tentem emplacar as medidas econômicas mais concretas de defesa dos interesses dos golpistas: como a reforma da previdência, a reforma trabalhista e a revisão da política de recuperação do salário mínimo.
Essas são medidas concretas e diretas que, se impostas como estão sendo anunciadas pelo governo golpista, levarão a perdas econômicas significativas para as populações trabalhadoras do país.
Inversamente, a batalha ideológica em torno da espetacular PEC 55 serve também para afastar do debate e do cenário político a necessidade de se atacar razões estruturais do endividamento e do mau uso dos recursos públicos no país. A estrutura tributária injusta, regressiva, que penaliza o trabalhador e o pobre em geral e beneficia os ricos e grupos privilegiados. Os gastos imorais e abusivos com políticos e categorias funcionais privilegiadas. Os incentivos e as isenções fiscais criminosos que governo federal e estados continuam fazendo, minando as finanças públicas, frequentemente a troco de financiamento ilegal de partidos e campanhas e de pagamento de propinas aos políticos. A ligação de grande parte do endividamento público com esquemas de corrupção de todos os governos de todos os partidos. Todos esses problemas reais, que afetam realmente o equilíbrio fiscal e impedem a possibilidade de uso dos recursos públicos de acordo com os interesses populares, tudo isso, de fato, pode ser esquecido, some, não aparece no debate público, enquanto ele é ocupado pela farsa da PEC do fim do mundo.
Mas as farsas têm seu limite na realidade e o tempo se incumbe de mostra-los. Os golpistas, o governo, o parlamento, a mídia, os economistas, enfim, o movimento golpista, em pouco tempo terão que se haver com a realidade sem ter mais os fantasmas de Dilma e do PT para atribuírem todas as responsabilidades. E aí, curiosamente, o feitiço pode se virar contra o feiticeiro. Eles poderão ser obrigados a entregar muito mais do que pretendiam, tanto no combate à corrupção, quanto na estrutura de financiamento e de gastos públicos no país. A resistência popular democrática é o componente, o ingrediente, que pode força-los a isso.
Se contrapor à onda ideológica midiática que domina o Brasil e fazer, sustentar, estimular, apoiar, promover e manter a resistência popular democrática, através de ocupações ou de qualquer outro meio, é, portanto, agora, o mais importante para todo cidadão comprometido com uma perspectiva civilizatória no nosso país.

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