terça-feira, 30 de maio de 2023

A QUESTÃO HISTÓRICA ATUAL: SOCIALISMO X CAPITALISMO. PARTE 2 – As oscilações no processo histórico da economia capitalista contemporânea

Creio que já está bem estabelecido na teoria da história que o desenvolvimento econômico acaba forçando transformações no modo de vida social nos pontos em as relações sociais vigentes terminam por ficar em contraposição e por funcionar como barreiras contra o avanço dos novos modos de produção oriundos do próprio desenvolvimento econômico. Essa contradição termina por ser rompida e o modo de produção antigo é, de algum modo, superado. Ou seja, quando as forças de produção se desenvolvem significativamente, criando novas condições e possibilidades para novos desenvolvimentos da capacidade produtiva e da riqueza, este desenvolvimento acaba encontrando algumas barreiras nas próprias estruturas sociais onde ele ocorreu, até um ponto que, necessariamente, força a transformação destas estruturas. Novas devem surgir, mais compatíveis com a realidade e as possibilidades dos novos recursos, das novas tecnologias da economia social, e estas novas estruturas terminam por suplantarem as anteriores, através de conflitos e diversas formas de crises sociais, muitas vezes muito violentas, com grandes revoluções e guerras. Esta é uma tendência inerente à produção social humana em geral, que se manifesta de modo mais definido e incontestável justamente no sistema capitalista, em que vivemos nos últimos séculos. Portanto, é claro que este movimento, que esta dinâmica trans histórica, deve levar à superação também do próprio sistema capitalista, como foi bem indicado por Marx. Eu avalio que este processo já é realmente perceptível no desenvolvimento histórico do capitalismo, sobretudo no período contemporâneo. E é isto que vou tentar explicar abaixo. Entendo ser correto, ou, aceitável, pelo menos, considerar como economia capitalista contemporânea aquela que emerge após a revolução industrial, ou seja, a economia capitalista mundial dos últimos150 anos, aproximadamente. É o período em que a grande indústria e o sistema financeiro capitalistas se desenvolveram aos saltos, se consolidaram e dominaram completamente a economia mundial, conformando um verdadeiro sistema econômico e social capitalista mundial. Este período corresponde à maioridade e ao amadurecimento, digamos assim, do capitalismo mundial e, ao mesmo tempo, ao início e avanço decisivo de sua superação social. Neste período, conceitos e práticas socialistas se implantaram e se desenvolveram dentro do sistema capitalista, mundo afora. E, apesar dos momentos de inflexão liberal, persiste um gradiente socializante positivo, no longo curso deste período do capitalismo contemporâneo, em praticamente todo o mundo. Não vejo como alguém poderia negar que, pelos parâmetros econômicos e sociais mais relevantes, o sistema capitalista mundial é hoje, em geral, mais socialista e menos liberal do que há 150 anos. Certamente, nenhum grande processo de transformação social deste tipo pode ocorrer de modo imediato, como resultado de um ato de revolução política e social apenas e nem se realizar de modo sido linear e homogêneo. Grandes transformações socializantes realmente ocorreram no interior do sistema capitalista mundial neste período que persiste, transformado, mas, até o momento, ainda capitalista. E hoje, depois destes últimos 150 anos de maturidade do capitalismo mundial, já parece suficientemente claro que no processo de desenvolvimento e superação do sistema capitalista há períodos de avanços e regressos, ou seja, flutuações históricas, com períodos com mudanças mais acentuadas de socialização e outros momentos de vitória do liberalismo se sucedendo alternativamente. Tudo indica que estas ondas alternadas têm ocorrido, ocorrem e devem necessariamente ocorrer no desenvolvimento da sociedade capitalista mundial contemporânea, atendendo à lógica econômica e social própria deste desenvolvimento mesmo. A minha primeira percepção deste movimento ondulatório ou pendular, entre avanços socialistas e retomadas liberais, no processo de desenvolvimento e superação do sistema capitalista mundial surgiu nos anos 80 do século passado, no início da onda liberalizante que ainda prevalece até hoje. Antes disto um longo período de crises sistêmicas da economia capitalista, de guerras disseminadas, mundiais, de violentos conflitos sociais e revoluções, foi sucedido por um período exitoso e também longo de estabilização e desenvolvimento socializante dentro do sistema capitalista mundial, que pode ser chamado, sinteticamente, de social democrata. Utilizo este nome como uma marca, que sintetiza os sistemas políticos e as diversas formas de serviços públicos e de instrumentos de controle e de regulação estatais, nacionais e até transnacionais, que foram desenvolvidos sobretudo a partir da segunda guerra mundial. Foi uma fase de importante desenvolvimento social na economia capitalista mundial em geral, mesmo dentro da sua desigualdade brutal. Mesmo assim, andamos um tanto, de algum modo, avançamos, no mundo todo, neste período. Avançamos na regulação financeira e no emprego dos recursos anticíclicos e de proteção social, o que resultou em um bom momento, de décadas, de grande desenvolvimento econômico e melhora acentuada da qualidade de vida das populações em geral, nos centros dominantes do sistema capitalista sobretudo, mas até nas suas periferias. De algum modo, apesar da onda liberal atual, tudo isto ainda persiste, impedindo, pelo menos até o momento, que as crises atuais sejam tão destrutivas como foram aquelas da primeira metade do século passado. Obviamente, não é possível fazer uma análise objetiva do que seria a economia capitalista mundial sem os mais diversos instrumentos de intervenção e regulação do Estado na economia e na vida social em geral que se desenvolveram e se incorporaram no sistema capitalista mundial contemporâneo. Mas, eu sou daqueles que entendem que estes diversos instrumentos socialistas têm se desenvolvido no interior do capitalismo a bem do próprio capitalismo e da humanidade, que hoje vive, obviamente, no sistema capitalista mundial. Os avanços sociais na regulamentação e controle dos mercados e nos sistemas e serviços públicos de proteção e promoção social foram, e continuam sendo, fundamentais e decisivos. Eles evitaram, e estão evitando, mais atrasos no desenvolvimento e verdadeiras regressões da economia social em crises econômicas insolúveis, com conflitos sociais violentos e guerras de grandes proporções destrutivas no nível mundial, ou seja, a repetição, em proporções ainda muito maiores do que a que já tem havido no sistema capitalista mundial contemporâneo. Pode-se dizer, então, que o socialismo salva o capitalismo, temporariamente, ao superá-lo progressivamente, para o bem da humanidade. De fato, as forças destrutivas do modo de produção capitalista, por sua lógica inerente mesmo, são grandes demais e a alternativa ao desenvolvimento das estruturas e recursos socialistas no interior do sistema capitalista seriam as grandes crises econômicas ainda mais virulentas e destrutivas e também as guerras, ainda mais frequentes e destrutivas do que já têm sido. Mas, também é fato que parte das estruturas sociais de regulação e direcionamento estratégico do capital financeiro e produtivo e de proteção social, desenvolvidas desde as grandes crises do capitalismo liberal na primeira metade do século passado, no interior dos países e no sistema mundial, se tornaram um tanto anacrônicas e limitantes diante do grande desenvolvimento da economia mundial, que elas próprias tinham permitido até ali. A onda socializante, tão grande e definidora, enfim encontrou seus limites e uma nova onda liberal tomou o sistema capitalista mundial. Isto resultou nas crises dos anos 70 e na solução liberalizante que se implantou e disseminou a partir do início dos anos 80. A onda liberalizante trouxe a quebra de barreiras financeiras e comerciais dos estados nacionais, a desregulamentação e privatização de setores da economia e, especificamente, de relações de trabalho e a eliminação ou redução de instrumentos e recursos de proteção social, e tudo isto resultou em forte globalização financeira e produtiva e em grande desenvolvimento econômico mundial. Apesar de representar perdas muito significativas sobre conquistas de regulação e proteção social do período anterior, esta nova onda liberal, logo acertadamente identificada como neoliberalismo, foi também responsável por uma grande globalização produtiva e financeira mundial e pelo desenvolvimento econômico acelerado que ocorreram a partir de então. Mas, por seu turno, as forças do capitalismo, deixadas livres, no exercício de sua lógica liberal própria ou inerente, resultam necessariamente em grande destrutividade, em crises econômicas prolongadas e sem solução, a não ser com grande queima de capital, empobrecimento, conflitos sociais extremos e guerras. E agora chegamos a este ponto na atual onda liberal da economia mundial. Estamos, novamente, vivendo um longo período de crises econômicas sem solução razoável, com redução do crescimento e empobrecimento de populações nos próprios centros do sistema capitalista mundial e com ampliação da presença e do risco de guerras. Ocorre que o boom econômico desta última onda liberal na economia capitalista mundial foi acompanhado de grande concentração de riquezas, como não poderia deixar de ser, pois isto é da própria natureza da lógica econômica capitalista liberal. E a concentração de riquezas, nos níveis que se atingiu no interior dos diversos países do sistema capitalista mundial, persistindo e se ampliando ao longo das últimas décadas, terminou por nos trazer um grande empobrecimento relativo e até empobrecimento absoluto de massas, o que traz dificuldades progressivas para a própria realização do capital e, consequentemente, a emergência e o acirramento das grandes crises econômicas mundiais que estamos vivendo atualmente. A resposta liberal a este problema é justamente dobrar e triplicar a sua aposta, defendendo, com todos os recursos ideológicos e materiais possíveis, a concentração das riquezas que está no cerne da crise. Apostam que com mais liberalismo, com mais liberdade e poder econômico para os capitalistas, com mais capitalismo, como eles mesmo dizem, vão conseguir vencer as crises que foram criadas justamente por isto mesmo. É claro que fica mais e mais difícil sustentar esta insanidade no tempo, com a persistência e o agravamento das crises, e é por isto mesmo que, nestas condições, as soluções, absolutamente irracionais, delirantes e macabras, do fascismo e da guerra tornam-se mais prováveis, mais aceitáveis e até mesmo mais necessárias para o capitalismo liberal. E é justamente o que estamos vivendo no presente. Este é o fim da atual onda liberal. E cada movimento no cenário econômico e político mundial no momento pode ser bem compreendido dentro deste quadro geral de crise sistêmica do capitalismo no fim da onda liberal atual. Isto está ocorrendo, e deve mesmo ocorrer, porque a roda da acumulação, do investimento e do desenvolvimento capitalistas não pode se realizar. e não se realiza de fato, se não tiver um mercado de consumo de massas florescente e não estagnado ou decadente. E isto tem a ver com a distribuição da riqueza na sociedade. Com o avanço de uma onda liberal os recursos sociais se distribuem mais e mais desigualmente e isto resulta em dificuldades especiais para a realização do ciclo do capital em geral. Nestas condições o investimento cai e se afasta mais das necessidades e interesses populares e o crescimento da economia desacelera ou cai, correspondentemente. Ao contrário de crescimento o que se passa a ver então é a destruição mais acelerada e intensa do capital social. É o ciclo da crise no capitalismo liberal: se investe menos em capital produtivo, se destrói e inutiliza capital e riqueza em ritmo acelerado e o crescimento da economia regride, com o corolário de desgraças sociais que isto traz. As grandes crises capitalistas são caracterizadas, enfim, pela queima de capital, sucateamento acelerado de setores e métodos produtivos, recessão, desemprego e pobreza, que perduram até que um novo ciclo de investimento e inovações possa criar novas condições de desenvolvimento. De fato, uma grande onda liberal resulta, necessariamente, em concentração excessiva e persistente da riqueza, levando a dificuldades também progressivas de realização do próprio capital e isto leva a crises econômicas sistêmicas de muito difícil resolução dentro dos marcos do capitalismo liberal. Neste aspecto, o próprio capitalismo liberal pede o seu fim. Mas apenas através de crises, violência e sofrimento desnecessários. Não conseguindo se realizar de modo sistêmico a economia capitalista liberal tende a exacerbar as suas piores características, insistindo no erro e indo ao delírio para preservar a lógica de concentração da riqueza e os privilégios de poder do capital. Exacerbam a exploração e a concentração de riquezas, o desequilíbrio produtivo, a grande perda de investimentos, a dissociação da produção das necessidades populares e a destruição da natureza, por exemplo, com seus correspondentes de violência e destruição nas sociedades, de aumento da opressão, da pobreza, das guerras e mortes. É sempre necessário lembrar que tudo isto está aí, presente agora, mas, ainda sobre um colchão regulatório e protetor trazido pelas conquistas sociais históricas, desenvolvidas dentro do capitalismo e que persistem ainda hoje, mesmo depois de tantas décadas da onda liberal atual. Em grande parte, foi justamente para controlar estas crises, minorar estes efeitos e reduzir as suas consequências que todo o aparato de regulação e intervenção pública nos mercados financeiros e de proteção social se desenvolveu e se aplica, de um modo ou de outro, disseminadamente no mundo ainda atualmente. E, realmente, é mais do que razoável conceber que a coisa estaria bem pior se não tivéssemos desenvolvido estes conceitos e práticas socialistas no interior do sistema capitalista, mundialmente, e estivéssemos hoje apenas dotados de recursos sistêmicos do capitalismo liberal. Mas, mesmo assim chegamos, enfim, agora a um ponto em que os limites da onda liberal atual já foram atingidos e ela trouxe o sistema capitalista mundial a uma sequência de crises econômicas sem solução razoável, crescimento econômico baixo, aumento de gastos militares, inflação alta e empobrecimento em geral. E isto está acontecendo agora nos próprios centros do sistema capitalista mundial. Chegamos ao ponto em que esta crise precisa encontrar uma solução ou tende a se agravar drasticamente. Não há saída fora de um novo avanço social decisivo, significativo e persistente, no sistema capitalista mundial. Seja como for, ao fim, esta onda liberal também será, e na realidade já está sendo, superada por uma nova onda socializante. O caminho para sairmos da grande crise sistêmica do capitalismo liberal do século passado foi, essencialmente, de ampliação significativa do socialismo no interior do capitalismo, pela onda social democrata que persistiu desde os fins da primeira metade até o início da década de 80 do século passado. E agora iremos para uma nova onda socialista. De fato já estamos no momento em que esta nova onda socialista se ergue, toma corpo e se põe em movimento. Ou seja, a nova onda socializante já começou e se manifesta em pleno avanço sobretudo com o desenvolvimento da China socialista e a incrível expansão da sua influência mundial. Esta nova onda socializante terá mesmo que se alastrar e se impor no restante do mundo para, mais uma vez, salvar o capitalismo de si mesmo e a humanidade do capitalismo. o Tudo indica que seguiremos ainda por algum tempo, necessariamente, pelas razões estruturais indicadas, pendulando entre momentos de mais liberalismo e momentos de mais socialismo no sistema capitalista mundial, mas numa direção consistente de socialização e, ao fim, de superação do próprio capitalismo. Repousam sobre nós, sobre o nosso aprendizado histórico, a responsabilidade e a esperança de conseguirmos reduzir as crises e a violência que está associada a elas, acelerando e facilitando o processo de superação do capitalismo. Tenho repetido muitas vezes que a minha esperança de que o sistema capitalista mundial não venha a nos mergulhar em crises e guerras tão destrutivas quanto ou ainda piores do que aquelas da primeira metade do século passado está embasafa no aprendizado histórico acumulado no processo de lutas e transformações sociais justamente saída das últimas grandes crises do capitalismo liberal, no século passado, e também na emergência da China socialista como potência mundial. A China, por sua doutrina socialista e por sua própria história, não é, até o momento, e não deve mesmo vir ser uma potência imperialista. O estado socialista chinês tem a economia sob sua direção estratégica e não o contrário, o que ocorre no sistema liberal, quando o poder capitalista tem o estado nacional sob seu direcionamento estratégico. Isto significa que a posição e o papel da China nas relações entre as nações não deve ser e não é realmente do mesmo tipo que aquela da Inglaterra ou dos EUA, por exemplo. A história recente das relações internacionais da China, em contraste com aquela dos EUA, mostra isto acima de qualquer dúvida. A guerra nos ronda e ameaça cada vez mais, basta dizer que os orçamentos militares aumentaram significativamente nas economias centrais do sistema capitalista mundial neste mesmo momento em que as suas populações enfrentam o empobrecimento, com a inflação alta e com a estagnação ou recessão da economia. O fascismo também nos ronda mais e tem atacado mais, atualmente no sistema capitalista mundial. E isto infelizmente continuará assim. São formas do último estágio da resposta do capitalismo liberal diante das crises e do estresse social que a concentração de riquezas, as crises econômicas e o empobrecimento necessariamente trazem. A irracionalidade extrema destas respostas é coerente com as irracionalidades próprias, intrínsecas ao sistema capitalista. E a irracionalidade absoluta e desmedida do fascismo e da guerra realmente se tornam aceitáveis para o sistema capitalista liberal quando a se chega ao beco sem qualquer saída socialmente digna ou aceitável, que as grandes crises sistêmicas terminam por representar para o capitalismo liberal A imposição irracional e absurda da violência e da destruição passa a ser razoável, apenas uma extensão a mais da irracionalidade e da violência abusivas que são inerentes ao sistema capitalista.

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