sábado, 20 de janeiro de 2024

O SISTEMA DA GUERRA ÀS DROGAS: UM CÍRCULO VICIOSO DE MENTIRA E MORTE

Estamos em um momento de transição, de valores e institucional, sobre a questão da maconha no Brasil. Uma transição lenta e difícil, mas, apesar disto, uma transição em movimento e praticamente inevitável. No momento existem muita confusão, muita contradição e incerteza jurídica, mas, infelizmente, ainda imperam a violência, as prisões e a morte relacionadas à fracassada política antidrogas, que persiste aqui no nosso país. Nunca se pode esquecer que a política antidrogas é, na realidade, uma política de violência e controle social, travestida de defesa da segurança e da saúde pública. Na verdade, a guerra às drogas é uma parte fundamental da ideologia e práticas fascistas que sempre estiveram disseminadas e fortemente arraigadas na nossa sociedade. A ideologia que prevalece nesta política de guerra às drogas é que elas estão sempre associadas à criminalidade, à degradação social e à violência. E que elas devem ser proibidas e banidas da vida social porque sempre levariam à dependência, à degeneração moral e ao banditismo. Infelizmente, esta ideologia contém uma das piores profecias auto realizáveis da história. Se você segrega as pessoas, se você as discrimina, se você considera como algo perverso, doentio, imoral, proibido, ilegal e criminoso, aquilo que para elas é prazer ou prática social, é bastante razoável se esperar que muitas pessoas envolvidas com isto se tornem, justamente, aquilo que a sociedade imputa a elas. Não necessariamente em consequência das drogas. Existem níveis muito diferentes de risco psíquico e social nas mais diversas formas de uso das mais diversas drogas, mas, também, há aí toda uma imensa zona cinzenta em que conflitos interpessoais são resolvidos pela imputação de crime ou doença a quem se envolve com drogas. Antes mesmo de serem julgados, condenados ou presos por isto, mães e pais podem ser afastados de seus filhos, jovens podem ser retirados do seu convívio social, ter a liberdade restringida, serem submetidos à “contenção química”, pessoas podem perder seus empregos, serem excluídas da família etc., por conflitos os mais diversos, sob a acusação de envolvimento com drogas. Esta acusação é, hoje, na nossa sociedade, um dos principais recursos ideológicos de coação pessoal na nossa sociedade. Um recurso ideológico repressivo com forte consonância moral, religiosa, médica, policial, judicial e penal na nossa sociedade. Mas, de forma paradoxal, entre os maiores combatentes contra as drogas, sejam políticos, ou promotores e juízes, delegados e policiais, religiosos e influencers ou pais e mães de família respeitáveis, grande parte é drogada ou traficante; são, produtores, são vendedores e ou são usuários e dependentes das drogas, que eles dizem combater. Esta farsa é uma das faces mais perversas da guerra contra as drogas. Grande parte dos principais combatentes nesta guerra estão jogando nos dois lados, ganham dinheiro e sustentam a cadeia de produção e venda das drogas e, em público, são inflamados guerreiros da causa da proteção da família e da sociedade contra as drogas. Tudo hipocrisia e mentira. Tudo manipulação ideológica. O sistema é montado de tal modo que a violência seja sempre justificada contra certos grupos sociais. Ao passo que, na outra ponta, lucra-se muito com a criminalização das drogas. Os maiores combatentes contra as drogas estão com as mãos nos microfones que escandalizam, nas armas que matam, nas canetas que penalizam, mas estão com as mãos, também, na grana que as drogas geram. É simplesmente impossível haver crime organizado, como é o tráfico de drogas, sem a participação, sem o envolvimento direto, de parcelas significativas do aparato repressivo, das polícias, da justiça, dos políticos e do mundo religioso. Todos envolvidos e ganhando muita grana, mesmo, com as drogas proibidas. Aqueles que as combatem são também os que produzem, distribuem, lavam dinheiro e lucram com o tráfico. O sentido da criminalização e da guerra contra as drogas não pode ser, não é, portanto, a redução ou a eliminação das drogas. As mortes e as prisões de milhares, de milhões de jovens brasileiros, que se repete aqui, sem fim, todos os anos, é um ciclo necropolítico de destruição e autodestruição da nossa juventude, de destruição de potencialidades, de capacidades, de forças criativas e transformadoras. Feito pelo mesmo sistema que lucra com as drogas.

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