domingo, 15 de janeiro de 2023

GEN, EGO E SISTEMA

Introdução Tenho afirmado, já há alguns anos que há três elementos determinantes na nossa constituição como indivíduos humanos. Estes três determinantes são o GEN, o EGO e o SISTEMA. Poderíamos chamar estes três determinantes de CÓDIGO GENÉTICO, PSIQUÊ E SOCIEDADE. Mas eu prefiro os três primeiros nomes. Gen e código genético se equivalem evidentemente, neste contexto de uso. E GEN é o termo mais sintético e universalmente utilizado, neste sentido que eu adoto. O termo mais preciso para o que eu tenho em mente seria genoma, talvez, mas gen é a sua unidade e conceito fundamental e por isso o escolhi. E eu creio que Ego é preferível a Psiquê, já que, em uma visão sintética, a psiquê inclui todos os elementos do nosso processamento psíquico, ou emocional, e Ego se refere à consolidação ou resolução limitadamente consciente deste processamento em decisões e atitudes que, ao fim, realmente constituem a nossa existência, o nosso ser, a cada momento. E que são nossa biografia real. E prefiro sistema a sociedade porque aquele tem uma conotação mais forte ou mais rica na atualidade. Talvez o melhor seja dizer que se trata do sistema social. Do ponto de vista operacional ou científico se pode falar muito bem em sistema econômico, ou sistema cultural, por exemplo, como subdivisões ou angulações específicas do sistema social. Mas, talvez o meu maior objetivo ao usar o termo sistema preferencialmente a sociedade é porque assim fica mais fácil de focalizar nas questões centrais de comunicação entre (a sociedade ou) o sistema e o ego (ou a psiquê). Características específicas dos três determinantes É muito importante considerar as características específicas destes determinantes e, portanto, suas influências, ou, como já dito, sua participação na constituição do nosso ser. Em primeiro lugar parece correto considerar que estes três determinantes constitutivos do nosso ser operam, todos, pela sua permanência ou perpetuação, o que significa exatamente, genericamente falando, a sua reprodução; ou seja, a sua subsistência no tempo e, nesta, a sua reprodução e, portanto, relativa perpetuação. Vou tentar explicar melhor. Parodiando os estudiosos da genética das populações pode-se dizer que o genoma quer se reproduzir e assim se perpetuar e que os seres vivos, os seres complexos determinados por gens, querem subsistir e se reproduzir, como um veículo da reprodução do seu patrimônio genético específico. Do mesmo modo pode-se dizer que o ego quer a sua perpetuação, por sua afirmação e permanência na história, na cultura, na sociedade, ou, sistema, como queiram chamar. É claro que muitos autores identificam este desejo fundamental, intrínseco ou essencial do ego, mas, para mim. o texto mais destacado e que eu estou praticamente reiterando aqui é o Banquete, do Platão. A fundamentalidade desta determinação, tanto do gen quanto do ego, tanto do corpo quanto da alma, é bem identificada, no texto de Platão, como a força e a energia do amor, a força erótica. Eu disse, num texto anterior. que o ego, como representante ou posição ativa da psiquê ou alma, é o que nos liga ao social, à história e ao futuro. E nos liga nos impulsionando a nos realizarmos e nos encrustarmos no ser social, na reprodução material e espiritual, econômica e cultural, da sociedade, do sistema deixando a nossa contribuição e marca no caminho do humano futuro. Desde a mais humilde existência até as realizações pessoais mais impactantes e marcantes da história são conduzidas, em parte, por esta determinação do ego. Em sua dimensão mais heroica e cultural pode-se dizer que o que o ego quer está estampado na frase de Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Este pode bem ser um discurso do ego. No sentido de: “ninguém chega ao humano a não ser passando por mim”! De uma forma mais metafórica pode-se dizer então que cada ego busca se afirmar como o caminho verdadeiro, o “patrimônio genético” cultural do presente e, sobretudo, do futuro humano bom ou verdadeiro. Quanto ao sistema social, ainda que possa ser difícil compreender as suas múltiplas dimensões e as características da determinação que cada uma delas nos impõe e como elas terminam por nos constituir, creio que nenhuma pessoa minimamente informada em relação à história, ou sociologia ou antropologia, enfim, ninguém mais, pelo menos ninguém que não esteja enfiado na ignorância e no delírio, mais ninguém não compreende que somos determinados e constituídos pelo sistema social em que vivemos. Ao delinear o papel do ego já, necessariamente, estamos considerando também o papel do sistema social, pois o ego só existe realmente na interação social, ou seja, em um determinado sistema social. Apenas para não deixar grandes lacunas, neste momento inicial da nossa reflexão, estamos falando aqui, ao falar em sistema social, do trabalho, do sistema produtivo, da linguagem, de toda a comunicação e cultura em sentido restritivo. Podemos também usar o termo cultura, em seu sentido mais amplo, como o sinônimo do que aqui chamamos de sistema social ou de sociedade. Também economia pode ser utilizada como sinônimo de sistema social ou sociedade, como emprego aqui, no sentido de uma economia social, propriamente. Não pode haver qualquer dúvida que o sistema social também tem forças imensas para, ou seja, “se direciona para”, ou, ainda, “pretende”, se perpetuar como tal. Reproduzir-se e se manter com suas características essenciais. E, obviamente, “resiste” à mudança, à transformação real. Estamos atribuindo algumas características de subjetividade a esta dimensão social, do ser humano. Ao sistema social. Bom, nós demos estes acentos, metaforicamente e logicamente, ao gen, então certamente podemos dar os mesmos acentos subjetivos ao sistema social. E podemos considerar mesmo que a permanência, a duração, a continuidade e eventualmente a reprodução são mesmo características ontológicas gerais e realmente fundamentais e presentes nos seres e em diversas de suas dimensões. Com suas características específicas, gen, ego e sistema também têm estas características, também são assim. Mas, talvez, essa observação de generalidade ontológica tenha agora um efeito mais confundidor do que esclarecedor, dadas as especificidades e complexidades próprias, e muito próprias mesmo, do que estamos considerando aqui. Paradoxo dos determinantes do nosso ser. São absolutos e ao mesmo tempo parciais, limitados e superáveis A análise estrutural que estou fazendo aqui tem sentido para nos esclarecer e orientar quanto à nossa atuação e possibilidades, na nossa própria existência, no mundo. Tanto no sentido pessoal quanto no sentido coletivo, histórico ou social. Neste aspecto, e sempre que tratamos deste tema, é imprescindível destacar, desde o primeiro momento que estes três determinantes são constitutivos de nosso ser, mas, é também contra eles que nós nos formamos ao longo da vida. Curiosamente estes determinantes são e não são absolutos. Por exemplo, é claro que qualquer ser humano que seja portador de uma anomalia genética extrema terá imensas limitações e, eventualmente nem mesmo conseguirá subsistir. Mas também é certo, por exemplo, que uma pessoa que tenha uma genética longelínea e de musculatura forte, propícia para certos esportes, mas que não pratique qualquer atividade física e tenha uma alimentação inadequada, eventualmente se tornará obesa ou fraca e inadequada para qualquer esporte. E o inverso também é verdade, até certo limite. Parece razoável concluir que, de qualquer modo, jamais estamos livres do que determina o nosso código genético, mas também não estamos submetidos irremediavelmente a estas determinações, a não ser em seus extremos. Por exemplo, não podemos, hoje, pelas nossas determinações genéticas, viver mais que 140 anos, mas, certamente, podemos prolongar ou reduzir em muito a nossa existência biológica, a nossa vida, dentro deste limite genético, pelo modo como vivemos. E, creio que em um tempo já vislumbrável, ampliaremos também os limites genéticos à duração da nossa vida. O mesmo se pode dizer, com toda certeza, das determinações do sistema. Ainda que sejam de ordem e se dêem por mecanismos completamente diferentes, todos nós também nos fazemos, nos formamos como pessoas, dentro de um sistema social específico e inevitavelmente somos constituídos pelas condições que este sistema nos determina. Obviamente isto vai depender de quando e onde nascemos e vivemos. Somos, de algum modo muito profundo, aquilo que a nossa posição social e histórica nos determina. Recordo agora um exemplo simples que gostava de dar para alunos: certamente ninguém podia ser um piloto de avião antes do fim do século XIX e início do seculo XX, simplesmente porque o avião e outros meios para isto ainda não tinham sido desenvolvidos. Não, pelo menos, no sistema social conhecido, em lugar algum do mundo, até então. E, hoje em dia, certamente, grande parte da humanidade não pode sequer se imaginar, ou apenas pode se imaginar nesta posição, de piloto de avião, dada a sua condição, a sua posição, no sistema social. Mas, se a primeira determinação é absoluta, a segunda nem tanto. E, mais ainda, o que mais nos importa aqui, sobretudo, é que o sistema é constantemente reproduzido, mas também confrontado pelos indivíduos em suas posições individuais, em suas ações de vida, e é historicamente transformado, de muitas maneiras e por muitos processos históricos diferentes. Então, o que eu quero dizer é que nós somos determinados e constituídos pelo gen e pelo sistema, inexoravelmente, mas também é contra eles que nos formamos e realizamos. Sobre o ego é o mesmo, também o ego e seus desígnios fundamentais nos determinam de modo inelutável e também é contra os desejos do ego que todos nós agimos e nos formamos na vida. Mas de modo completamente diferente de como o gen e o sistema atuam, pois o ego, ou a psiquê, é o que nos liga ao mundo social e a nós mesmos, de todos os modos. É como a linguagem chega a nós, por exemplo. Através do ego ou psiquê individual. É o que filtra todas as informações e processa todas as emoções e sentimentos, pensamentos e ideias que são os seus próprios constituintes. Mas, mesmo nessa sua condição peculiaríssima, também a determinação do ego é de se perpetuar, se perpetuar na sociedade, na cultura humana, de algum modo. O ego deseja se realizar no sistema, deixar nele sua marca, seja ela qual for e ainda aquela de encaminhar o humano, de projetar e realizar o humano, de algum modo, está também em todos nós. E essa determinação também se impõe em nós, como um absoluto relativo em nós, assim como ocorre com aquelas do gen e do sistema social. Também essa determinação se impõe sobre nós com a força do absoluto e também é contra ela que nós nos realizamos ao longo da vida. Também não podemos evitar as determinações do ego, não pelo menos nos limites de que alguma posição do ego sempre será a nossa realidade em cada momento da existência. Mas, também como nos outros determinantes, não estamos inelutavelmente circunscritos aos determinantes do ego. Não, nós educamos o nosso ego e, com certeza, o forjamos ao longo da vida, também o combatendo. Três dimensões ou níveis de interesse presentes em toda escolha existencial Então, essa massa energética de emoções e sentimentos, pensamentos e ideias, ancorada, constituída, em uma existência biológica, se propõe a agir. E age. Estas são, digamos assim, as determinações ou as tarefas fundamentais do ego - decidir e agir. Sempre tendo em consideração três conjuntos de interesses ou necessidades, muitas vezes contraditórios entre si: aqueles do próprio indivíduo, os dos grupos aos quais ele pertence e aqueles do coletivo social maior ou, ao fim e profundamente, os da humanidade em geral. Ao agir, ou, antes, ao decidir sobre qualquer ação realmente relevante, com conteúdo existencial realmente significativo, qualquer um de nós considerará os seus interesses individuais, os interesses dos grupos sociais aos quais pertence e, simultaneamente, considerará também os interesses de um nível mais elevado de coletividade, que, representa, de qualquer modo, a humanidade, ou o que ele representa neste lugar de universalidade humana. E esta é a posição do ego, pois este é o desejo do ego, ser parte da cultura humana, contribuir para o futuro humano deixando sua marca cultural, seja ela qual for, neste caminho. Aqueles que como eu compreendem esta dimensão universalista do nosso ego identificam a própria humanidade ou o futuro humano, como este universal, este valor universal sempre projetado na escolha do ego. A tal ponto que a figura do Deus único, monoteísta, pode ser compreendida como uma metáfora, uma ilusão, posta neste lugar fundamental da humanidade, antes de termos a consciência do que ele é. As questões históricas da nossa época Acredito que até aqui eu consegui reiterar os principais determinantes e alguns fundamentos que devem, enfim, ancorar as minhas análises, decisões e atitudes. Mas isto não teria qualquer valor se não servisse para o reconhecimento e o enfrentamento das questões que realmente importam para o presente e, ainda mais, para o futuro humano. Em texto anterior eu já havia me atrevido a identificar quais são as grandes questões, ou encruzilhadas históricas da nossa época: 1. Socialismo x Capitalismo, ou melhor dizendo, Capitalismo Socialista x Capitalismo Liberal, no tocante ao presente, pois, socialismo é, também e necessariamente, capitalismo, é fase de transição do capitalismo, é capitalismo sob a regulação socialista, mas ainda capitalismo. Ou, no tocante ao futuro, como projeção ideológica do futuro humano: anarco comunismo x anarco capitalismo, ou, no limite, fascismo, pois, no limite, anarco capitalismo é, resulta em, fascismo, necessariamente. Nesta questão está envolvida ou incluída também a questão da preservação x destruição progressiva e ilimitada da natureza e das próprias condições naturais de vida humana na terra. Está aí também incluída a questão do risco das grandes guerras mundiais e, novamente, do risco real que elas trazem para a própria existência da humanidade. 2. A questão da Opressão e Abuso do poder dominante contra os povos, etnias, grupos sociais e práticas divergentes na sociedade x o respeito à diversidade e o multiculturalismo. Aqui estão inscritas as questões também do controle social x as liberdades pessoais e de grupos diversos. O paradoxo do pertencimento e da liberdade: tema central da questão 1 (talvez mostrando que ela é a mais importante, ainda é a mais determinante no nosso tempo histórico. 3. A questão da família tradicional x a liberdade amorosa e sexual. Ou seja, família tradicional x comunidade amorosa livre. É, portanto, diante destas grandes questões da nossa história contemporânea que todos, necessariamente, com maior ou menor grau de consciência, nos posicionamos. E é somente em face a elas que os fundamentos acima descritos podem provar sua validade e utilidade ou não. Vamos tratar destes pontos nos textos subsequentes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário